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Tributaristas defendem resultado pró-contribuinte em empates no Carf

Nova gestão do órgão é considerada técnica e aposta em perfil independente de conselheiros

Conforme tributarista, cargo desta natureza requer julgadores imparciais (Roberto Castro/MTUR/Divulgação)

Conforme tributarista, cargo desta natureza requer julgadores imparciais (Roberto Castro/MTUR/Divulgação)

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Publicado em 5 de agosto de 2022 às 19h00.

Última atualização em 5 de agosto de 2022 às 19h08.

A mudança no critério de desempate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) escalona a tensão entre os conselheiros. Publicamente, membros da Receita Federal acusam empresas de “capturar o estado” a partir da sanção da Lei nº 13.988/2020, que favorece os contribuintes no caso de empate em votações, o contrário do que ocorria desde a criação do Carf, em 2009. Na outra ponta, representantes dos contribuintes assinalam a sensatez contida na inversão.

Na visão do presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), Alexandre Evaristo Pinto, quando um julgamento termina empatado, o resultado demonstra que o contribuinte tinha uma interpretação razoável da lei. “Com o voto de qualidade, o contribuinte perdia e pagava multa na maior parte das vezes. Agora, é como se a interpretação razoável dele fosse considerada, afastando a tributação. Há argumentos para os dois lados. Fato é que o entendimento colocou o Carf em uma nova vitrine”, declara.

O tributarista Eduardo Salusse faz uma defesa enfática do reequilíbrio de forças no órgão. “Quando alguém afirma isso [captura do Estado] é porque mede o outro com a sua própria régua. Os auditores [fiscais] estavam acostumados a mandar no Carf. Acham agora que o empresariado vai fazer o mesmo”, diz o advogado, responsável executivo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (NEF/FGV). O grupo de Salusse conduz no momento a sequência da pesquisa Repertório Analítico de Jurisprudência do Carf.

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Conforme o tributarista, um cargo desta natureza requer julgadores imparciais, independentes e técnicos. A opinião encontra respaldo na decisão do novo presidente do órgão desde maio, Carlos Henrique de Oliveira, representante da Receita, de destituir nomes ligados ao fisco por julgadores de perfil mais “acadêmico”. “A gestão que lá estava até pouco tempo manipulava o Carf”, afirma Salusse.

Por outro lado, o ex-secretário da Receita Everardo Maciel sustenta que o problema está na origem. Para ele, da forma como o Carf é composto — dividido entre representantes do Fisco e dos contribuintes —, não haveria uma solução para o tensionamento entre as partes. “Nenhuma solução é mágica, mas tem de haver uma solução mínima, com servidores públicos concursados especificamente para exercer a função”, declara.

Segundo Eduardo Salusse, o que vale no momento é que a regra do jogo e esta precisa ser respeitada. “A lei mudou. Como ela não interessa a eles [Receita], a lei é ruim. Não adianta fazer terrorismo, dizendo que os contribuintes se apropriaram do Carf. E os outros anos, antes do fim do voto de qualidade? O órgão era apropriado pela Fazenda?”.

Novos formatos de sessões em teste

Em junho, o novo presidente do Carf assinou uma portaria regulamentando a realização de sessões de julgamento híbridas e revelou a intenção de promover encontros em São Paulo como forma de economizar recursos e de reduzir o represamento de casos. O órgão acumula R$ 1,044 trilhão a ser julgado em 91,2 mil processos, dos quais 158 discutem autuações fiscais que superam R$ 1 bilhão, somando R$ 438 bilhões.

“Se puder ser presencial, é melhor para o debate”, declara Everardo Maciel. “Essa decisão deveria ser tomada levando em conta as regras sanitárias e não o orçamento do órgão.”

“Estamos em um momento que é de grande expectativa por parte dos diferentes atores”, comenta o presidente da Aconcarf, Alexandre Evaristo Pinto, que é membro da 1ª Turma da Câmara Superior do órgão. O colegiado é o único que segue em funcionamento, apesar da adesão de conselheiros às paralisações de servidores da Receita. O movimento tem gerado o cancelamento de reuniões por falta de quórum. Em julho, Alexandre participou da primeira sessão presencial do Tribunal administrativo desde março de 2020.

Segundo ele, as sessões ordinárias, que ocorrem uma semana ao mês, de terça a quinta, deverão seguir presenciais. “Como há um acúmulo muito grande de processos, faremos o teste de realizar sessões extraordinárias de forma virtual”, declara. De todo modo, ele encara como positiva a possibilidade de encontros híbridos. “Vai permitir sustentações orais ao vivo, sem eliminar o modo remoto”, diz.

Salusse também comemora a proposta dos encontros híbridos e a possibilidade de os julgamentos serem deslocados para São Paulo. "Estou muito otimista. Carlos Henrique tem valores muito bem definidos, é extremamente competente e, sobretudo, é independente”, afirma.

PLP pode encerrar voto de qualidade nos estados

Outra iniciativa que perturba representantes da Receita é a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022 na Câmara, que pode tornar mandatório o in dubio pro reo também nos tribunais fiscais de estados e municípios. As alterações foram incluídas pelo relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que, em julho, apresentou um substitutivo ao projeto original, de autoria de Felipe Rigoni (União-ES).

Além do voto de qualidade, a proposta versa sobre direitos e deveres dos contribuintes. A matéria pode ser apreciada a qualquer momento pelo Plenário da Câmara, já que tramita em regime de urgência.

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