Vint Cerf: pensamento crítico é principal arma contra fake news (Wikimedia Commons/Duncan.Hull/The Royal Society / CC BY-SA (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)/Wikimedia Commons)
Bússola
Publicado em 10 de agosto de 2022 às 13h44.
Faz quase 50 anos, que, no verão de 1973, o matemático Vinton Cerf e o engenheiro Robert Kahn se trancaram em uma sala de conferência do Cabana Hyatt Hotel em Palo Alto, na Califórnia (EUA), para tentar fazer com que redes de computadores diferentes e isolados pudessem se comunicar. Saíram de lá, dois dias depois, com as bases para o conjunto de regras e protocolos que servem de fundação para a internet que conhecemos hoje: o protocolo TCP/IP.
Não à toa, Vint Cerf, como é conhecido, costuma ser chamado de pai da internet, título que ele mesmo rejeita, argumentando que a criação da rede mundial de computadores foi um feito conjunto. Hoje, vice-presidente e evangelista-chefe da internet no Google, ele é responsável por pensar os rumos da internet e sobre como mantê-la saudável.
Em entrevista exclusiva à Bússola, Cerf fala sobre o papel dos governos e da iniciativa privada na redução da exclusão digital, que acredita só ser possível com a união de esforços. Também minimiza o papel da tecnologia no combate às fake news. "É tentador confiar em algum tipo de aprendizado de máquina ou inteligência artificial para filtrar ou para marcar conteúdo como impróprio, mas fazer isso em cem idiomas e diante de uma terminologia que deliberadamente faz uso de palavras comuns para transmitir discurso de ódio não é uma maneira segura de enfrentar o problema." Cerf também falou sobre acessibilidade. Ele usa aparelhos auditivos desde os 13 anos, em função de uma perda auditiva neural progressiva, e é casado com uma surda, que ouve por meio de implante coclear.
Amanhã, 11 de agosto, Cert participa de uma conversa com Demi Getschko, um dos pioneiros da internet no Brasil, durante o seminário 5G.br São Paulo, promovido pelo Ministério das Comunicações (MCom). Demi, é o único brasileiro a fazer parte do Hall of Fame da internet, que reúne personalidades que de alguma maneira contribuíram para a evolução da internet em toda sua história, e de que Cerf também faz parte, juntamente com outras personalidades como o físico britânico Tim Berners-Lee, que criou a World Wide Web, a www.
O evento, que acontece no hotel Grand Hyatt, em São Paulo (SP), discute o alcance da transformação na economia e nos setores produtivos da chegada do 5G no Brasil. Para se inscrever, basta preencher um formulário no site do evento.
Confira a seguir a íntegra da entrevista.
Bússola: O senhor tem dedicado muito tempo e esforço para garantir que a internet se torne disponível para todos. Mas mesmo com a chegada do 5G, ainda existe uma enorme disparidade. Mesmo em países como Brasil , onde 82% dos domicílios têm acesso à internet, a situação não é melhor. Como resolver esse problema?
Vint Cerf: Estima-se que cerca de 40% da população mundial não tenha acesso direto à internet. E muitos vão ter sua primeira experiência por meio de smartphones e com serviços móveis 4G ou 5G. Mesmo em países como os Estados Unidos, foram concedidos subsídios governamentais de US$ 42 bilhões para o desenvolvimento de infraestrutura de telecomunicações rurais.
Uma combinação de incentivos fiscais, subsídios, investimento internacional – como o apoio do Banco Mundial para cabos submarinos – e nova infraestrutura – como serviços de satélite de órbita baixa como Starlink, Kuiper etc. – vai ajudar a resolver essa lacuna que se estende já há muito tempo. Empresas como o Google estão investindo pesadamente em fibra submarina para unir os continentes com serviços de internet de alta velocidade.
Bússola: Muitas pessoas enxergam a internet como um veículo disseminador de fake news e conteúdo malicioso e até mesmo como uma ameaça à democracia. Mas quando o senhor fala sobre soluções possíveis para o problema, raramente menciona tecnologia. Por quê?
Vint Cerf: Em relação às fake news e a informação de má qualidade, o melhor filtro é o chamado "pensamento crítico" – os usuários devem se perguntar questões como "de onde vem essa informação" ou "existe alguma evidência de uma fonte confiável que corrobore essa informação?". Acreditar de forma ingênua no que se encontra na internet não é recomendável. Só porque foi encontrado na internet não quer dizer que seja verdadeiro.
É tentador confiar em algum tipo de aprendizado de máquina ou inteligência artificial para filtrar ou para marcar conteúdo como impróprio, mas fazer isso em cem idiomas e diante de uma terminologia que deliberadamente faz uso de palavras comuns para transmitir discurso de ódio não é uma maneira segura de enfrentar o problema.
Bússola: O senhor usa um aparelho auditivo desde os 13 anos. E a era do 5G impulsiona tecnologias como realidade virtual, por exemplo, que dependem muito da audição. Os desenvolvedores que pensam o futuro da internet estão totalmente conscientes da importância de prover acessibilidade?
Vint Cerf: No Google, a acessibilidade tem alta prioridade. Nós temos desenvolvido ferramentas sofisticadas com uso de aprendizado de máquina para gerar legendas automaticamente em mais de cem idiomas. Nós damos suporte para reconhecimento de fala no diálogo com produtos e serviços do Google, em mão dupla. Nós procuramos tornar nossas aplicações acessíveis com "leitores de tela" para nossos usuários cegos.
Estamos explorando várias formas de habilitar usuários com deficiências motoras para utilizar interfaces especiais para controlar cursores e teclados. Nós também desenvolvemos aplicativos para telefones que funcionam como amplificadores de som para usuários que ainda não precisam de aparelhos auditivos, mas necessitam de um volume amplificado.
Nós acreditamos que todos devem usufruir do poder da computação e da internet.
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