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This is Us, minha família, sua família e a doença de Alzheimer

Uma das séries de maior sucesso da atualidade traz para dentro de sua sala o drama vivido por uma família que tem um de seus membros com Alzheimer

Estreia da sexta e última temporada de "This Is Us", no Star+. (Ron Batzdorff/NBC/Divulgação)

Estreia da sexta e última temporada de "This Is Us", no Star+. (Ron Batzdorff/NBC/Divulgação)

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Publicado em 3 de maio de 2022 às 18h10.

Última atualização em 3 de maio de 2022 às 18h26.

Por Roberta Busch*

Está chegando ao fim uma das séries de maior sucesso da atualidade. Um drama familiar, com narrativa emocionante, lançado em 2016 e que já abocanhou vários prêmios internacionais. Estou falando de This is Us. Para quem nunca assistiu, os primeiros episódios trazem uma quantidade de plot twists que acabam viciando qualquer um irremediavelmente. Hoje está entre os conteúdos mais assistidos da Star+.

This is Us conta a história de pelo menos três gerações dos Pearson, uma família comum, que poderia ser a sua ou a minha. Entre idas e vindas no tempo, discute a criação dos filhos, o relacionamento com os pais, alegrias e tristezas, saúde e doença, traumas, luto. No fundo, é uma série sobre a busca pela felicidade.

Mas porque eu, fonoaudióloga, estou falando disso? (ATENÇÃO: se você ainda não chegou à sexta temporada, tem um spoilerzinho aqui) Porque com a mesma poesia com que tratou da morte de tantos personagens queridos ao longo das cinco primeiras temporadas, This is Us se encaminha para seus últimos episódios tratando com delicadeza da doença de Alzheimer.

No capítulo de estreia da sexta e última sequência, uma espécie de "neblina" obscurece a memória de uma personagem que tenta se lembrar, sem sucesso, de uma certa palavra. O desenrolar da trama, escrita com o apoio de médicos especialistas, não tem meias palavras. Deixa claro que a doença não tem cura.

Que as memórias recentes se vão primeiro. Depois, as antigas. Mostra os efeitos devastadores sobre a família. A negação, a dificuldade de aceitar que uma pessoa tão querida não esteja mais ali da forma como conhecemos.

Mas qual é a importância disso? Essa doença acomete cerca de 1,2 milhão de pessoas no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Alzheimer. A maior parte delas sem diagnóstico. Acompanhar o drama dos Pearson ali na nossa sala todas as semanas ajuda, sim, e muito.

Pode fazer com que alguém busque ajuda mais cedo. O Alzheimer não tem cura, mas o diagnóstico precoce e uma equipe multidisciplinar — médico, fonoaudiólogo, nutricionista, fisioterapeuta — podem dar qualidade de vida ao paciente e à família.

Pode reduzir o preconceito. O Alzheimer é uma doença degenerativa do cérebro, que provoca a perda das memórias recentes, mudanças no comportamento social e em família e o isolamento comunicativo. Mas os primeiros sintomas podem vir em forma de depressão profunda ou agressividade. Muitas vezes, o paciente se vê isolado.

Pode levar alguém a estender a mão. Uma doença devastadora como essa não acomete apenas o paciente. Afeta a família toda. Conforme a doença progride, é natural que haja muito estresse.

Na primeira palestra que ouvi sobre a doença de Alzheimer, o professor dr. Paulo Bertolucci começou sua apresentação dizendo: "Se todos nós vivermos até os 120 anos, todos teremos algum grau de demência". Isso nos faz pensar que perder as memórias faz parte do envelhecimento. E, sim, isso é verdade. Mas 30% das pessoas que apresentam o chamado Distúrbio Cognitivo Leve — a forma como a médica faz o primeiro diagnóstico da nossa personagem na série —, comum com o avançar da idade, podem desenvolver uma demência real.

A palavra demência significa perder a mente e, por aí, já se pode imaginar o quão difícil é ser acometido por algo assim. Esquecer o nome da pessoa que está diante de você, ou um fato de que você precisa se recordar já é suficientemente constrangedor. Imagina isso acontecendo com as suas próprias memórias, esquecendo até o nome de seus filhos e netos.

No início do quadro, o paciente acaba sendo alvo de zombaria. Vai ser chamado de forma errônea de “esclerosado”, o que nada tem a ver com a degeneração ocorrida no cérebro de um paciente com demência. E entender que aquilo que parecia engraçado faz parte de uma doença progressiva pode ocorrer de forma trágica, quando a pessoa desaparece, por exemplo, por não saber como voltar para casa — e voltamos às cenas de This is Us.

Os lapsos de memória devem ser levados a sério. Se seu pai pergunta: "Você conhece minha irmã?", preste atenção. A não ser que haja um contexto para isso, parece lógico que você conheça sua tia. Ou ainda se alguém repete a mesma questão em um curto espaço de tempo, ou começa a apresentar comportamentos inadequados e não condizentes com sua personalidade ou a situação social.

Existem vários tipos de demência, e, repito, o diagnóstico precoce é importante. O tratamento melhora a qualidade de vida, auxilia na preservação cerebral e no convívio social. Além disso, tumores no cérebro ou doenças vasculares, como obstruções cardíacas ou de vasos cerebrais, podem se manifestar paralelamente à perda de memória.

Mas se não existe cura, o que as pesquisas observam é que pessoas com maior escolaridade ou que lêem, escrevem e gostam de desafios cognitivos como o sudoku ou as palavras cruzadas, por exemplo, apresentam uma reserva cognitiva que pode reduzir o grau dos sintomas e a velocidade da degeneração da doença.

Voltando à ficção, ela muitas vezes nos ajuda a ver outros ângulos da realidade. Nos coloca no lugar do outro. Ninguém sabe exatamente o que se passa dentro do cérebro de alguém que está enfrentando o processo de deterioração que o Alzheimer traz. Mas aquela família em This is Us poderia ser a minha, ou a sua.

Aquela personagem podia ser a minha mãe, ou a sua. Sentir a angústia dela diante do que ela imagina ser a possibilidade de perder a memória da infância dos filhos, perceber o medo dela de que alguém deixe de seguir em frente na vida para cuidar dela, sorrir diante da vontade de entregar as lembranças possíveis para os netos… Isso muda tudo.

*Roberta Busch é fonoaudióloga clínica, mestre em neurociências pela Universidade Federal de São Paulo e sócia-diretora do Centro de Atendimento Avançado em Disfagia (CAAD)

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