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Startups: queda em valuations é onda, mas não tsunami, dizem especialistas

Mesmo com análises tranquilizadoras, investidores pedem foco e afirmam que contexto atual exige certos cuidados

Taxas de juros e cenário macroeconômico são algumas das causas da queda nos valuations (Rudzhan Nagiev/Getty Images)

Taxas de juros e cenário macroeconômico são algumas das causas da queda nos valuations (Rudzhan Nagiev/Getty Images)

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Publicado em 10 de junho de 2022 às 13h35.

Se 2021 foi um marco para as startups brasileiras, com aumento de 174% nos investimentos em relação a 2020, de acordo com relatório da Distrito, o cenário para este ano não tem se mostrado tão promissor e acendeu um sinal de alerta especialmente no mercado de tecnologia, mas não chega a ser uma catástrofe anunciada. Essa é a percepção de investidores experientes e do levantamento da mesma plataforma de inovação, que estima uma captação entre US$ 10,7 bilhões e US$ 12,9 bilhões para os negócios em 2022 — dessa vez, um crescimento bem mais modesto, mas não menos impressionante, de 50%.

Com as taxas de juros nas alturas, os investidores seguiram o movimento esperado de apostar mais na renda fixa e menos em investimentos de alto risco, como é o caso das startups. Para Orlando Cintra, fundador e CEO do BR Angels — associação nacional de investimento-anjo que reúne mais de 250 executivos de alto escalão —, o sentimento de desaceleração é real quando se olha para 2021, mas é uma comparação também injusta, já que os patamares do último ano são insustentáveis e totalmente fora da curva.

“Tivemos o momento em que todos falavam que o investimento em inovação só crescia, fundos e mais fundos sendo criados e valuations nas alturas. Agora, dizem que não tem mais dinheiro, que os negócios devem apertar cintos e que os unicórnios estão escassos. De certo modo, isso é verdade, e a correção é desejada para manter os parâmetros de qualidade do ecossistema. No entanto, nenhuma grande crise afetou o setor a ponto de regredir a patamares catastróficos, como vemos muita gente pregar. Longe disso, é uma desaceleração — pelo menos até agora — suave”, afirma Cintra.

"Comparações com dados de 2021 sempre ficarão a desejar. O correto é comparar com a média dos últimos cinco anos. E, olhando dessa forma, ainda não estamos desacelerando. Dados da Sling Hub mostram que o volume de investimentos em maio deste ano teve 15% de aumento frente a maio de 2021, além de 3 novos unicórnios. O que isto significa? Precisamos sim, estar atentos e tomar providências, mas os investimentos continuarão acontecendo, porém, de forma mais diligente", declara.

Cristiane Mendes, fundadora e CEO da Chiefs.Group — primeira plataforma de Open Talent Economy em blockchain da América Latina —, afirma que o momento é de transição da euforia para mais prudência, tanto do empreendedor quanto dos investidores.

“Ainda há dinheiro no mercado, e o que está ocorrendo agora é somente uma acomodação na forma de investir esses recursos, já que os investidores estão mais seletivos e em busca de negócios que de fato sejam escaláveis. Eles precisam enxergar essa possibilidade de exponencialidade de forma mais concreta, o que tem muito a ver com a capacidade da startup de demonstrar todo seu potencial. Ou seja, para conseguir aportes será preciso ter um time consistente, que saiba apontar quais são os gatilhos que o negócio possui para ‘chegar lá’”, diz Cristiane.

Uma das companhias que contribuiu para o panorama positivo de aportes em 2021 foi a Virgo, ecossistema de soluções financeiras no mercado de capitais. Por meio de seu Corporate Venture Capital, a empresa viabilizou R$ 300 mil para a goLiza, R$ 500 mil para a Hent e R$ 1 milhão para a Captal, ao longo do ano passado. As apostas parecem ter sido certeiras, já que a goLiza levantou mais de R$ 800 mil em abril deste ano e às duas últimas startups investidas se preparam para Series A ainda em 2022, com demanda e interesse de diferentes investidores. A companhia também possibilitou, por meio de um aporte em fevereiro, a criação da Optime, que já recebeu manifestação de interesse de dois fundos Early Stage.

Daniel Magalhães, founder e CEO da Virgo, concorda que o Brasil tem um ecossistema de investidores capitalizado e robusto, assim como um movimento crescente de CVC e até de pessoas físicas interessadas em startups.

“No Brasil, especificamente, ainda temos muito capital disponível para as startups, com destaque para as Early Stage. A mudança de valuations traz uma boa oportunidade de entrada para investidores na safra de aportes de 2022 a 2025. Por isso, não vejo falta de recursos para apoiar bons empreendedores e projetos, mas acredito que veremos muitas rodadas de captação no país com valuations menores”, afirma o executivo.

Correção dos valuations e volta às origens

O valuation é a estimativa do valor de mercado de uma empresa. Ele é definido a partir de diversas análises, tais como fluxo de caixa, o histórico de múltiplos do mercado, da valoração pré e pós-investimento, dentre outras. Logo, é a partir do valuation que as negociações sobre uma empresa são realizadas. No entanto, por deliberar sobre o futuro do negócio e reunir aspectos subjetivos, esse valor de mercado não é um cálculo inflexível e pode sofrer alterações ao longo do tempo.

De acordo com Rafael Moreira, CEO da Bertha Capital — gestora de fundos de investimento que conecta empresas líderes de mercado com startups —, parte do que está acontecendo no setor é uma correção dos valuations. Com um mercado muito mais líquido, como no passado, as startups tinham mais facilidade na captação de recursos, o que gerava desequilíbrio entre demanda e oferta.

“Antes, existiam muitos investidores para um pequeno rol de startups e, com isso, o preço delas subia. O cenário hoje está muito diferente, com cada vez mais startups surgindo e captando cheques menores. Na Bertha, realmente acreditamos nessas fortes correções do mercado, já que não tem como continuar do jeito que está: com redução da liquidez, startups devendo em valor de mercado e com problemas na entrega de resultados consistentes. Logo, vemos como natural uma correção de valuations e também do tamanho dos cheques. Os negócios estão tendo que se adequar a essa nova realidade de competição mais acirrada, além de, obviamente, a necessidade de segurar o caixa e encontrar a sua melhor forma de faturamento”, declara Moreira.

Já Pierre Schurmann, fundador da holding de empresas SaaS nuvini, acha que vai haver uma seleção natural dos empreendedores, assim como uma “volta às origens” do ecossistema de startups. “Historicamente, o impulso era de mudar o mundo e buscar a disrupção. O excesso de liquidez no mercado atraiu muitos investidores e empreendedores só pelo lado financeiro, sem o objetivo de criar algo inovador. Houve uma inversão no mindset de alguns empreendedores — eles passaram a olhar para o valuation como a meta do jogo. Agora, os investidores querem saber quem está realmente focado em construir negócios que tenham impacto — esses negócios são os que vão continuar no jogo. A intenção e propósito dos investidores é criar valor para o público e apoiar empreendedores que querem mudar o mundo”, declara Schurmann.

O momento exige foco

Apesar das análises tranquilizadoras, os executivos concordam que certos cuidados devem ser tomados dentro do contexto atual. João Vitor Carminatti, CEO da Stark — primeiro Investment Banking (IB) Digital do Brasil conhecido como o “Tinder do mercado financeiro” —, aposta que o final deste ciclo de correção irá originar dois tipos de empresas: as que têm modelos de negócios saudáveis e geram caixa com suas atividades operacionais; e as que não param de pé sem investimentos externos.

“Que a lição sirva para repensar a lógica de operar empresas de tecnologias e os investimentos de capital de risco. Minhas recomendações vão na linha dos grandes VCs do Vale do Silício — a16z, Sequoia e Y Combinator. É preciso ajustar a operação para não depender de capital de terceiros, além de buscar estender o run-away e alcançar o break-even a todo custo. Esses períodos mais desafiadores devem funcionar como um ensinamento de gestão e os empreendedores precisam aproveitar para direcionar todas as ações para os aspectos essenciais do negócio”, diz o CEO.

A visão de Francisco Jardim, sócio fundador da SP Ventures — fundo que investe em soluções tecnológicas para agricultura e alimentos em toda a América Latina —, é que apesar dos efeitos da guerra na Ucrânia, da crise dos fertilizantes, do bloqueio nos portos chineses, dentre outros obstáculos enfrentados recentemente, o número de deals segue aumentando e rodadas grandes de investimentos acontecendo.

“Mesmo com a queda no valor investido, rodadas em estágio avançado vêm acontecendo com frequência em escala global. Algumas das que se destacaram no primeiro trimestre, por terem valores acima de US$ 100 milhões, foram na Keo World, Neon, Creditas, Tul e Betterfly. Ou seja, ainda com os reflexos do cenário macroeconômico, o crescimento do setor visto nos últimos anos ao redor do mundo irá se perpetuar, inclusive no Brasil. No período de baixa nas taxas de juros no país, os fundos de Venture Capital foram capazes de se capitalizar por isso, muitos estão entrando em fase de investimento agora”, aponta Jardim.

Com as fontes de capital financeiro mais secas, um dos recursos para os empreendedores é o capital intelectual, ou Smart Money. Orlando Cintra explica que esse aconselhamento de executivos experientes às startups pode muitas vezes superar a quantia aportada a longo prazo e tem sido fator decisivo na busca dos negócios por investimentos.

“As mentorias oferecem insights importantes, dão opções e ajudam os empreendedores a ter novas ideias e corrigir rotas. No BR Angels, buscamos aplicar o Smart Money da melhor forma, não interferindo nas decisões da startup e deixando a prerrogativa nas mãos do time de fundadores. Isso tem impactado na escolha por investimentos, com metade das startups brasileiras preferindo iniciar a captação com investidores-anjo, como mostrou a nossa última pesquisa com a Abstartups. Os negócios entendem que, além do aspecto intelectual, os grupos também podem abrir portas em potenciais clientes e ativar a rede de relacionamentos”, diz o CEO da associação de investimento-anjo.

A respeito das recentes demissões que assombram o universo das startups, Daniel Magalhães não enxerga como um mau presságio para os negócios do setor. “A minha dica para os empreendedores é que fiquem de olho em oportunidades para recrutar bons talentos que estão deixando startups maiores. Para isso, é importante ter um bom plano de stock options e ILP já desenhados.

No mais, reforço o pé no chão em termos de tamanho da rodada de investimentos em vista e do valuation, assim como o foco na execução e no core do negócio — não é o momento de muitos testes e projetos em diferentes frentes. E, por fim, acredite sempre no seu propósito e no seu time”, afirma o CEO da Virgo.

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