Mulheres Executivas: Empatia entre mulheres é a chave da sororidade (nortonrsx/Getty Images)
Bússola
Publicado em 20 de junho de 2022 às 12h45.
Por Sandra Vaz*
Um dos grandes desafios contemporâneos é saber a hora de exercitar a escuta. Em um mundo dominado pela lógica da performance e da multitarefa durante o trabalho, não é segredo para ninguém o quão difícil é reservar alguns minutos no nosso dia para escutar o outro. Segundo a dupla de filósofos franceses Gilles Deleuze e Pierre-Félix Guattari, em Uma Filosofia para o século, um importante livro sobre a convivência em sociedade, o momento de percepção e de escuta também são períodos de realização e preparo para tomada de decisões importantes.
Algumas pessoas ainda acreditam que, quando compartilhamos algum problema ou pedimos ajuda, estamos mostrando uma fraqueza. Na verdade, é nesse momento de escuta genuína que apresentamos a nossa perspectiva e abrimos espaço para a perspectiva do próximo. O resultado é que encontramos sempre uma melhor solução nesse processo.
É verdade, como revela uma pesquisa do The Economist do ano passado, que as companhias atuam em seus reposicionamentos no mercado, propondo soluções para melhorar a comunicação entre colegas e setores e dando mais espaço para gestores, funcionários e colaboradores abrirem-se sobre suas dores em ambientes corporativos. Contudo, pondera o levantamento, 76% acreditam que a falta de clareza na forma como é conduzida a interlocução entre colaboradores e a direção é ainda um dos problemas mais graves em corporações.
Historicamente, essa realidade é ainda pior quando falamos desses espaços para mulheres. Não bastasse serem minorias em cargos de liderança no mercado tradicional e das startups, conforme pesquisa do LinkedIn em parceria com a Bain & Company, por vezes acumulam jornadas duplas, às vezes triplas, conciliando carreira, tarefas de casa e, não raro, dedicando horas e horas a familiares e amigos mais próximos. Assim, não é surpresa, de acordo com pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial, que a sobrecarga mental vivida pelas mulheres seja um dos motivos pelos quais elas abandonam carreiras, se frustram em casa e consigo mesmas.
Nos últimos anos, ouvimos com mais frequência a palavra sororidade, muitas vezes a partir do estímulo de populares programas da TV aberta. Sua origem é por vezes confusa como um subproduto da chamada lacração e da cultura do cancelamento, para citar duas situações muito atuais em nosso dia a dia.
Efetivamente, a sororidade e o feminismo vêm do mesmo lugar. Esses conceitos se referem à introdução de práticas e estímulos para abordarmos a escuta, a empatia e, sobretudo, o companheirismo que existe entre mulheres de diversas origens e segmentos, tal qual uma relação fraterna entre irmãs de diferentes famílias e mães.
No contexto empresarial, contudo, a ideia é mais ampla: engloba os momentos de conversa, atenção e diálogo para a melhora em organizações, assim como significa propor a liderança e o protagonismo de mulheres em companhias. Mais do que introduzir a equidade de gênero no mundo corporativo, colocar mulheres como peças importantes no planejamento e desenvolvimento de empresas traz um novo olhar para os problemas do dia a dia. Mas os ganhos vão muito além: de acordo com estudo do FMI em 34 países europeus, uma maior diversidade de gênero em cargos de liderança está associada a uma maior rentabilidade. A pesquisa apontou uma elevação de 8 a 13 pontos percentuais de rendimento dos ativos dessas organizações.
Sob outro olhar, é fundamental ressaltar que a introdução da sororidade no ambiente empresarial não significa “masculinizar mulheres” ou transpor todos os defeitos do universo masculino para o encargo feminino. Na mesma linha do que diz Simon Sinek em seu best-seller Líderes se Servem por último: como construir equipes seguras e confiantes, a amplificação de vozes jovens e adultas, maternas e até de avós no contexto empresarial deve ser encarado como um momento em que não apenas valorizamos as Soft e Social Skills, mas sim como uma oportunidade para olharmos para as Human Skills que fortalecem dinâmicas de grupo e formam líderes confiantes e de alta performance. Por isso acredito tanto na importância da mentoria para apoiar novas mulheres líderes a superar esses desafios diários.
Embora tenham curvas de aprendizado e visões diferentes sobre como conduzir e gerir carreiras, como aponta estudo realizado por Harvard, homens, mulheres e demais gêneros que não se enquadram nessa definição beneficiam-se profissional e socialmente de um ambiente comunicativo e inclusivo. Seja pela quebra de tabus e solidificação da comunicação em companhias, seja a edificação de novas lideranças fortes, maduras e sinceras, a sororidade é o elo perdido de nossos ancestrais em comum: empatia e escuta.
Por outro lado, um dos maiores problemas para mulheres e grupos que no geral nunca tiveram representatividade na área corporativa é o temor de sempre ser uma farsa. Conhecida como síndrome do impostor, a condição psicológica que fez parte da trajetória de Angela Merkel (ex-chanceler alemã), Michelle Obama (ex-primeira dama dos Estados Unidos) e Maya Angelou (escritora e ativista social norte-americana) diz respeito ao ressentimento de não estarmos preparadas para assumir novas responsabilidades ou pela angústia de não sermos boas o suficiente para liderar. Segundo o relatório Acelerando o Futuro Das Mulheres nos Negócios, da KMPG, esse é o principal medo vivenciado pela maioria das lideranças femininas no mercado.
É importante ressaltar que a frustração e a ansiedade decorrentes da síndrome não são sentimentos exclusivos das mulheres. De acordo com um levantamento da Universidade Dominicana na Califórnia, 70% de todos os funcionários ouvidos — homens, mulheres, e pessoas não binárias —, já se sentiram pelo menos uma vez uma farsa no escritório, ou seja, antes de ser uma condição psicossocial ligada ao nicho de gestoras e colaboradoras, a síndrome do impostor, assim como o estresse e pressões são marcas inerentes do universo empresarial.
Nesse contexto, a sororidade se destaca como uma resposta simples e suave que ecoa escritório adentro. Mais do que palavras doces e ouvidos atentos, a introdução com conceito no ecossistema empresarial pode otimizar processos e ressignificar relações entre gestores, funcionários e colaboradores. Segundo levantamento da Forbes em várias empresas norte-americanas, a sororidade representa um verdadeiro pilar para acomodar a diversidade e a pluralidade nas equipes e ressignificar o trabalho de cada integrante do time. Os resultados são cristalinos, aponta o estudo: colaboradores engajados e comprometidos com seu ambiente de trabalho têm de 4 a 6 vezes mais chances de aumentar sua produtividade.
Por fim, a cumplicidade e empatia entre irmãos e irmãs, empresas e trabalhadores, colaboradores e gestores é um processo a ser construído de maneira prática, diariamente. De nada adianta propor soluções mágicas que nos transportam a mundos fantásticos se, ao fim do dia, o conceito de sororidade entra pelas portas do setor de recursos humanos e vira mais uma página perdida entre tantas outras ações bem-intencionadas.
Se queremos fazer a diferença, é preciso arregaçar as mangas e botar a mão na massa: ouvir especialistas e lideranças, propor palestras, workshops e cursos sobre o tema e, principalmente, dialogar, conversar e implementar uma comunicação 360º e humanizada nas empresas. Afinal, só saberemos a força de uma ideia a partir do brilho nos olhos de quem se deixou seduzir por um processo que engrandece as empresas e, principalmente, transforma pessoas.
*Sandra Vaz, é diretora sênior de Alianças e Canais para América Latina na Red Hat
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