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Sabatinas: divórcio entre liturgia e política

Esta semana, Márcio de Freitas começa sua análise abordando a sabatina conjunta que “diminuiu os riscos de tropeços ou embaraços ao novo ministro do STF, Flávio Dino, e ao agora procurador-geral da República, Paulo Gonet”

Um divórcio entre liturgia política dos Poderes e o peso de futuros cargos a serem preenchidos. (Tony Winston/Agência Brasília/Divulgação)

Um divórcio entre liturgia política dos Poderes e o peso de futuros cargos a serem preenchidos. (Tony Winston/Agência Brasília/Divulgação)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 15 de dezembro de 2023 às 17h00.

Nem sempre se escolhe a melhor forma de liturgia para transmitir conteúdo político. A sabatina conjunta para o Supremo Tribunal Federal e Procuradoria-Geral da República desta semana diminuiu os riscos de tropeços ou embaraços ao novo ministro do STF, Flávio Dino, e ao agora procurador-geral da República, Paulo Gonet. Foi uma inovação procedimental: os dois foram questionados sobre seus conhecimentos jurídicos e temas polêmicos na mesma sessão, pela primeira vez na história. Um divórcio entre liturgia política dos Poderes e o peso de futuros cargos a serem preenchidos.

Num só dia, no mesmo plenário, com menos tempo para perguntas e respostas aos dois homens públicos, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado reduziu significativamente o processo de questionamento sobre o preparo dos postulantes. O engessamento do rito quase só permitia microdanos, com a diminuição de oportunidades à oposição em criar eventuais problemas aos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o jogo de quem está no poder.

O conteúdo das respostas de Dino e Gonet mostraram que eles não precisavam de blindagem tão reforçada. A subtração da forma não criou  proteção integral a nenhum dos nomes: perguntas atinentes e capciosas foram feitas. Saíram-se bem com couraça resistente, demonstração de preparo técnico e traquejo político.

Nada se agregou politicamente: os votos contrários se mantiveram apesar dos abraços fraternais registrados em alegres pixels pelos fotógrafos de plantão. Civilidade não significa adesão, mas alimenta certo estranhamento nos mundos de redes sociais que não admitem confraternizações com os adversários, nem as natalinas, muito menos as sibilinas. Foram 31 votos contra, número que pode ser poderoso para criar problemas futuros se estiverem realmente unidos contra o governo atual.

A escolha da forma tisna a história centenária do Senado Federal. O precedente pode parecer pequeno, mas a conta dos ritos não respeitados é cumulativa. Alimenta a ociosidade nos processos políticos do Congresso, que antes eram respeitados e se tornam adornos em fotografias antigas. Os novos ritos demandam, primeiro, certa aceitação. Com o tempo, vão inoculando indiferença, chegando à calcificação com a conivência prevalecendo sempre pela força da maioria. A reação colateral sempre poderá chegar quando as coisas mudarem... e elas sempre mudam em política, como diz a máxima das nuvens de Minas Gerais.

Os novos ritos precisam de maturação para se consolidarem como procedimentos estabelecidos. Circunstâncias hoje postas podem deixar de coexistir no futuro. Tanto o Senado como a Câmara têm sido promotores de muitas inovações nas gestões recentes, sobre brechas regimentais ou com base em acordos políticos. Há força centrípeta nas duas direções para alcançar intentos que outros comandantes das Casas não conseguiram no passado. Muito disso é baseado nas eleições às Mesas Diretoras que chegaram a maiorias expressivas e impositivas de poder majoritário, sem que o governo tenha se mexido ou metido de fato, principalmente depois do advento das emendas impositivas e orçamentos secretíssimos.

Os precedentes foram registrados e são fatos postos, diante da expansão cada vez maior da área de influência do Legislativo no comando do país. De fato, há nuances fortes de parlamentarismo em determinadas áreas. Basta ver que o Congresso atual reivindica mais abertamente a nomeação de ministros ao Executivo, obrigatoriamente saídos das bancadas de deputados ou senadores. Votam e fiscalizam o Orçamento que esses ministros administram, e mantém estreita relação com a permanência deles no governo - conseguindo que fiquem ou não nos cargos com base na avaliação do próprio parlamento (que pode reprová-los votando contra o governo), e não mais do chefe do Executivo.

É peculiar, no Brasil, que o presidencialismo de coalização tenha sido convertido, sem nenhuma liturgia, num parlamentarismo de interesses partidários diretos. A emenda pix virou a grife dessa época sem tantas liturgias ao poder.

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