Momento é único para o futebol brasileiro, mas desafios são grandes. (Fernando Torres/CBF/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 24 de maio de 2022 às 20h30.
Por Renato Cirne*
O futebol é parte da construção social do povo brasileiro. Tornou-se ao longo dos mais de 120 anos de sua história no Brasil esporte e entretenimento de interesse público e deve ser preservado como um alicerce cultural do nosso país. E vive um momento histórico com os debates para a criação da Liga Brasileira de Futebol, entre a Libra e o movimento Forte Futebol, grupos que atualmente reúnem quase todos os 40 clubes das séries A e B do futebol brasileiro. Os próximos dias e semanas serão cruciais e merecem toda atenção e debate.
O surgimento da Liga coincide com um período de fortalecimento do ESG no cenário corporativo brasileiro, o que nos traz uma reflexão capaz de propor um novo caminho para a discussão. Quando tratamos de ESG, o “S’’ representa o Social e diz respeito à responsabilidade social e ao impacto das empresas e entidades (neste caso, a Liga) no desenvolvimento de seus negócios em prol da comunidade e sociedade.
A sociedade brasileira precisa entender a importância dessa relação. Como ignorar que o futebol é, sim, fundamental para o Brasil e para o brasileiro? Não como instrumento alienante, mas como um elemento importante também para desenvolvimento econômico do país.
Apesar do reconhecimento claro da modalidade como esporte e entretenimento, ainda não se pensa o futebol como negócio. Quando se trata do futebol brasileiro, o individualismo fala ainda mais alto e pensar em um produto capaz de fortalecer o esporte, o entretenimento, a cultura e a socieadade não é tarefa simples.
Nos debates para a criação da Liga, um dos pontos mais controvertidos é divisão de receitas de TV. Nesse campo, as ligas de futebol domésticas mais poderosas do mundo, como a espanhola e a inglesa, defendem que a divisão de receita entre os clubes que mais recebem e os que menos recebem pelos direitos de transmissão não pode ultrapassar 3,5 e 1,6 vezes, respectivamente.
Por outro lado, a NFL (Liga de Futebol Americano) divide a receita de TV entre todos os seus clubes, de maneira igual.
Um exemplo O exemplo da NFL deve ser destacado, não só pela divisão igualitária de receita de TV, mas também pelo fato dessa liga proteger seu produto com um mecanismo conhecido como “draft”. Nos EUA, o objetivo da Liga sempre foi fortalecer os clubes.
As futuras estrelas no NFL vêm do futebol americano universitário, a NCAA. E, desde 1936, a Liga Americana tem como regra que o clube pior classificado no campeonato do ano anterior tem prioridade na escolha dos talentos da NCAA para o ano seguinte.
Tal mecanismo faz com que o campeão do ano seja o último a escolher novos jogadores. E da terceira até a sétima rodada de escolhas, times que não conseguiram renovar com seus atletas também têm privilégios.
Qual é o resultado disso? Uma liga mais forte, um produto melhor, um espetáculo de qualidade e desenvolvimento econômico para todos, além, claro, de fortalecimento social e cultural.
Dados recentes mostram que, em 2021, a NFL receberá nada menos que US$ 10 bilhões por ano de direitos de transmissão. O produto é tão bom que é adquirido ainda que sem exclusividade: em 2022, no jogo final da liga, o Super Bowl, as TVs chegaram a cobrar US$ 7 milhões por somente 30 segundos de comercial.
Voltando ao Brasil, o momento é único, e o desafio é imenso. Uma Liga grande vai gerar um produto superior, desenvolvimento econômico para o país e fortalecimento de um artigo tão relevante para nossa cultura e para nossa sociedade. Mas enfrentar décadas de individualismo requer habilidade negocial, inteligência emocional e pensamento crítico. Um verdadeiro jogo fora do campo.
*Renato Cirne é sócio-fundador da Renato Cirne advogados
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