Fair play também começou a ser debatido na gestão financeira de clubes (Fernando Torres/CBF/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 29 de novembro de 2021 às 17h13.
Última atualização em 30 de novembro de 2021 às 14h50.
Por Renato Cirne*
Há poucas representações culturais tão fortes no Brasil como o futebol. Desde Pelé, nossos grandes jogadores são celebrados mundialmente. Pessoalmente, gosto muito de futebol como entretenimento. Pentacampeão Mundial e único país presente em todas as Copas, nós, brasileiros, somos reconhecidos e respeitados. No entanto, anseio pelo dia em que o futebol brasileiro também vai transmitir valores como ética e jogo limpo. E que a torcida celebre atos reais de fair play.
No mundo, o esporte é reconhecidamente um instrumento de transmissão de valores para crianças. No entanto, os mais celebrados são a perseverança, respeito, humildade, esforço e compromisso. Todos importantes e valiosos, claro, mas ainda pouco se fala sobre ética e jogo limpo, especialmente no Brasil.
Em nosso país, o fair play ("jogo limpo") no futebol se resume a devolver a bola ao time adversário quando este precisou ser atendido e este time tenha jogado a bola para a lateral. Mais recentemente, fair play também começou a ser debatido na gestão financeira de clubes. Ainda é muito pouco, pois infelizmente atos como ludibriar juiz, conseguindo pênaltis ou expulsões injustas, não somente são naturalizados pela mídia como também celebrados por diretorias de clubes, jogadores e torcedores.
Nós já deveríamos ter avançado mais. Entre tantas oportunidades e debates, destaco que o Rio de Janeiro recebeu somente cinco anos atrás uma edição dos Jogos Olímpicos. No entanto, se a nossa cidade (e país) vivia momentos de absoluto sucesso em 2009, momento de escolha da Rio 2016, no ano olímpico vivíamos um momento bastante distinto. Por isso, conseguirmos executar os Jogos sem um fiasco internacional já foi celebrado como vitória. O fato é que nos sete anos entre a escolha e o início dos Jogos, pouco debatemos sobre valores como igualdade, equidade, justiça, respeito pelas pessoas, racionalidade, compreensão, autonomia e excelência. Todos estes valores que Barão Pierre de Coubertin buscou idealizar quando liderou a refundação dos Jogos Olímpicos em 1896.
Voltando ao futebol, neste domingo assistimos o futuro campeão brasileiro de 2021 quase confirmar seu título em jogo em que seu primeiro gol foi marcado em pênalti absolutamente imoral. O mais triste e chocante é que, à exceção de alguns jornalistas independentes, tal imoralidade pouco incomodou. Especialmente, foi resultado de constante pressão em cima do juiz, que tem pouquíssimo treinamento. Por consequência e obviedade, tal imoralidade nem foi comentada pelo time vencedor.
Após o encerramento do jogo de hoje, relembrei uma outra partida, de 2003, em que ocorreu exatamente o oposto. Um contraste enorme quando assisti novamente ao jogo entre Dinamarca e Irã. Neste confronto, ocorrido em um torneio amistoso, ao final do primeiro tempo, a Dinamarca, dona da casa e perdendo para o Irã, recebeu um pênalti imoral e decidiu chutar para fora. Notem, a Dinamarca acabou perdendo a partida, mas o desperdício de um pênalti imoral foi celebrado como um gol por sua torcida.
Refletindo após lembrar essas duas partidas, fui reler o Índice de Percepção da Corrupção, anualmente divulgado pela Transparência Internacional. Sem nenhuma surpresa, o último ranking classificou a Dinamarca como o país menos corrupto e mais ético. Nosso país vem em 94º lugar (mantendo uma triste estabilidade nos últimos anos, apesar de tanto termos debatido Compliance e Anticorrupção desde 2013, após a edição da Lei da Empresa Limpa, também conhecida como Lei Anticorrupção).
Ao longo dos próximos anos, espero que possamos debater no futebol com maior profundidade o fair play. Que ele entre nas quatro linhas e redefina o nosso esporte. E que possamos agregar ao nosso futebol valores como ética, jogo limpo e justiça. Como disse no início do artigo, o futebol é uma das principais expressões culturais de nosso país. No entanto, infelizmente, ética, justiça e jogo limpo ainda não foram verdadeiramente a campo.
Renato Cirne é sócio da Renato Cirne Advogados e Compliance Officer da FSB Comunicação.
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