O quiet quitting envolve limitar as tarefas profissionais apenas às do seu trabalho. (Stefan Tomic/Getty Images)
Bússola
Publicado em 16 de novembro de 2022 às 07h49.
Demorei algumas semanas para refletir profundamente sobre o tema do quiet quitting e falar a respeito. Na correria diária, me parecia que era mais um termo do modismo pós pandemia. A maioria dos temas que discutimos hoje está relacionada à forma como nossa sociedade se comporta, seja diante de questões ligadas à política, ao trabalho, às relações familiares e conjugais, entre outras. Fico refletindo e tento descobrir como era antigamente, buscando um elo em nossos comportamentos de todos esses pontos.
Vale lembrar, contudo, que a expressão quiet quitting carrega uma “pegadinha”, já que não se refere a deixar o emprego de forma silenciosa, como poderia sugerir a tradução literal. Na verdade, o quiet quitting envolve limitar as tarefas profissionais apenas ao que está definido no seu job description (relação de atividades do cargo que você ocupa) – e não assumir mais tarefas do que sua função atual estabelece, fazendo o básico para concluir as atividades. É a famosa “economia de energia”.
De um lado, estamos em um momento, em que a maioria das pessoas teve oportunidade para refletir sobre o equilíbrio de vida, seus sonhos e ambições, e por isso, o tema ganha ainda mais relevância. De outro, há 22 anos, quando comecei a trabalhar em consultoria de Executive Search, estava em uma empresa com bônus anuais envolventes, saindo daquele modelo de participação de lucros padrão e migrando para bônus de 5, 6 ou até 12 salários.
Muitos executivos naquela época reclamavam por não terem ganhado bônus tão elásticos assim e eu questionava: Mas o que você entregou a mais? Para fazer 100% do seu trabalho, você já é pago com seu salário mensal e benefícios. O bônus, de fato, é o “algo a mais” que você e seu time fizeram em benefício da empresa.
Portanto, para mim, a conversa sobre quiet quitting envolve basicamente duas perspectivas: a do colaborador a do empresário/acionista da empresa.
Do ponto de vista do colaborador, é injusto trabalhar mais horas do que o acordado com a empresa, não tenho a menor dúvida disso. Mas, pense bem: você quer somente um trabalho, ou construir uma carreira, efetivamente? Não estou defendendo aqui o “vestir a camisa da empresa incondicionalmente”, e tampouco acredito que, para ser promovido, você precisa trabalhar 12 horas por dia, sem pausa para o almoço.
O pulo do gato, na minha perspectiva, é a gestão do tempo: é preciso ser cada vez mais eficiente e fazer “mais com menos”. Esses minutos que sobram por dia vão te habilitar a dar o próximo passo na carreira. Afinal, o tempo é ainda nosso bem mais valioso.
Com mais tempo, você vai ser capaz de equilibrar os pratos da própria vida (profissional, pessoal, familiar, afetivo, espiritual e tantas outras frentes que são importantes – e aí cada um calibra conforme seu estilo e personalidade). Mais uma vez: não é uma questão de se tornar um “acelerador” e realizar as atividades sem pensar. Pelo contrário. É organizar o tempo de forma estratégica para ser produtivo, eficiente e, com isso, ter mais tempo livre. Quanto mais procrastinamos, mais energia consumimos, e maior o impacto na nossa capacidade de realizar e de nos desenvolvermos.
Pense de novo nos nossos ancestrais: será que, se não tivessem sido eficientes em inventar novas maneiras de plantar e semear mais comida, nós hoje teríamos evoluído tanto como sociedade? Será que se tivéssemos feito sempre a mesma coisa todos os dias, teríamos avançado? Acredito que não, porque eles não procrastinaram. A história se constrói com realizações.
Do ponto de vista do acionista ou do empregador, é preciso reforçar: não dá para mensurar performance por carga horária. Não se pode exigir engajamento e alinhamento de propósito, se você tem uma liderança tóxica que compromete a cultura que está estampada nos quadros e tótens pela empresa. Já ouvi de executivos que eram “forçados moralmente” a ficarem até mais tarde, porque o CEO ainda estava no escritório e pensavam: “E se ele pede alguma coisa e não estou disponível?” Se ele pedir algo às 21 horas, provavelmente você não estará disponível na empresa – e qualquer CEO sabe disso.
Então, se você é empresário, acionista ou liderança, busque eficiência, performance e não somente carga horária. Foi-se o tempo de bater cartão e achar que quem fica até tarde no escritório é o mais engajado. Mais uma vez, a gestão do tempo vem à tona.
Para encerrar, como sempre falo, nessa área de gestão de pessoas não existe certo ou errado, excluindo obviamente questões éticas. O que digo é: como e em que situação seu perfil se encaixa e qual é o estilo de empresa ou liderança no qual você se adapta ou se sente mais confortável em lidar no dia a dia?
O mais importante é cada um fazer uma reflexão: o que você busca? É OK para você ter equilíbrio e estar em um trabalho menos desafiador? Então, vá em frente! Mas lembre-se, de que há gente lá fora com outro gás, com outra energia e disposição para evoluir na carreira – e para elas, é OK esse foco profissional.
Talvez, daqui a algumas décadas, o quiet quitting possa ser exemplo de como nós trabalhadores, nos acomodamos após uma pandemia como a que tivemos. Estamos aprendendo com tudo isso e acredito fortemente que há espaço para todos. Como diz o ditado, “o combinado não sai caro”.
*Carlos Guilherme Nosé é CEO da Fesa Group
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube