Desenvolvimento sustentável da Amazônia é essencial no pós-pandemia. (Márcio James/Amazônia Real/Divulgação)
Bússola
Publicado em 5 de agosto de 2021 às 10h00.
“Não podemos permitir que o debate sobre a Zona Franca de Manaus seja contaminado por uma visão fiscalista”. Essa foi uma das declarações dadas pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), no webinar “Diálogos Amazônicos — Propostas para a Amazônia do Futuro”, realizado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP). O parlamentar criticou a ideia de alguns setores do governo de que as renúncias fiscais podem prejudicar o país. “É uma conta burra e equivocada”, declara.
“Arthur Lira (presidente da Câmara) diz que a renúncia fiscal anual de R$ 18 bilhões da indústria de concentrados de refrigerante na Zona Franca paga metade do Bolsa Família. Perguntei se ele achava que com a extinção do incentivo essas fábricas continuariam produzindo concentrados na Zona Franca de Manaus. Claro que não. Um exemplo disso é que, com a mudança de tributação em 2018, a Pepsi deixou a Zona Franca. Só que ninguém paga o que essas indústrias pagam de ICMS e ISS, ninguém contrata no nível de empregabilidade delas”.
Márcio Holland, organizador do “Diálogos Amazônicos” e coordenador do Programa de Pós-graduação em Finanças e Economia da FGV, afirma que é muito comum a visão de que a Zona Franca de Manaus é um fardo. “De fato há gastos tributários, há incentivo fiscal, mas a região é uma produtora de recursos financeiros. A ideia é a utilização desses recursos para o desenvolvimento de toda a Amazônia brasileira”, diz.
O acadêmico acrescentou que a Amazônia é um bilhete premiado e pode ser o pilar de um novo ciclo de desenvolvimento brasileiro. Mas reclama que pouco se debate sobre a região. “Ocupa metade do território nacional e a gente tem dado as costas. É fundamental que a Amazônia entre no centro do debate nacional, seja pelas discussões sobre mudança climática ou sobre a nova economia e o mundo pós-pandemia, ou ainda pelas potências da bioeconomia e biotecnologia e a diversificação produtiva”.
Holland afirma, também, que o desenvolvimento sustentável da Amazônia é o pilar central de um novo ciclo de desenvolvimento socioeconômico pós-pandemia. “Deve-se reforçar o papel da promoção da pesquisa, desenvolvimento e inovação de novos vetores econômicos. Importante também entender a bioeconomia e a biotecnologia amazônica, combinadas com diversificação produtiva regional, como formas genuínas de desenvolvimento. Por fim, pensar que é fundamental um ambiente com segurança jurídica para os investimentos da economia de baixo carbono na Amazônia”.
O professor afirma ainda a força empregadora como um enorme diferencial. “O Polo industrial de Manaus gerou cerca de 100 mil empregos diretos em 2020. Considerando o efeito multiplicador, estamos falando de mais de 400 mil postos. O faturamento é de R$ 120 bilhões de reais por ano”.
“A geração de 100 mil empregos é bastante relevante. Estamos falando de um modelo que faz com que o Amazonas tenha uma das maiores arrecadações per capita de ICMS do Brasil e que faz com que o estado seja dos um dos poucos da federação com equilíbrio do ponto de vista fiscal e do sistema previdenciário, com o salário do servidor público rigorosamente em dia”, diz Marcelos Ramos.
“Uma indústria de hardware para um futuro de software”
Durante o webinar, o parlamentar afirmou que é preciso fazer uma autocrítica sobre o modelo de desenvolvimento amazônico. Para ele, na economia globalizada nenhum modelo industrial se sustenta eternamente fundado única exclusivamente em incentivo fiscal.
“Ou tomamos consciência disso ou vamos chegar em 2053 implorando para uma nova prorrogação da Zona Franca de Manaus. Não quero esperar 2053 para constatar que nós deveríamos ter tomado nosso modelo sustentável. Costumo dizer que temos uma indústria de hardware para um futuro de software. Ou nos adaptamos ou vamos ser atropelados”.
Neste contexto, Ramos afirma que é importante canalizar as riquezas geradas pela Zona Franca para investimentos em infraestrutura logística, melhoria e construção de portos, aeroportos, hidrovias, estradas, incremento nas telecomunicações e energia, e, por outro lado, ampliar o mix de produtos.
“Não adianta o ministro Paulo Guedes falar que quer aqui uma bioindústria instalada, a indústria do pescado, dos concentrados de frutas regionais, dos biocosméticos fitoterápicos, porque para que que esse potencial da floresta possa virar riqueza na gôndola do supermercado ou da drogaria, é necessário investimento em pesquisa aplicada. E o governo federal nunca deu conta sequer de resolver a natureza jurídica do Centro de Biotecnologia da Amazônia”.
O modelo desejável
Também presente no webinar, o jornalista Carlos Rydlewsky ratificou que o modelo de desenvolvimento deve levar em conta “os fracassos redundantes e contínuos sob o ponto de vista sustentável de preservação de áreas demarcadas e indígenas e populações ribeirinhas”. “Diante desse cenário, gostaria de entender um pouco melhor o que é possível fazer, qual é o clima no Congresso em relação a essa questão de preservação da Amazônia, já que o modelo que a gente propõe é de desenvolvimento para a preservação. Vai ficar para os próximos governos?”, declara.
“É muito difícil enfrentar um debate econômico e sustentável do ponto de vista ambiental no atual governo, porque ele parte de uma premissa equivocada de que só é possível gerar riqueza na Amazônia se a floresta for derrubada. Isso é uma visão tosca que perpassa vários setores do governo”, afirma Ramos, acrescentando que vai aproveitar o ambiente da COP 26 (26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) para apresentar o projeto de lei 528.
“Pretende regular o mercado de carbono no Brasil para confrontar o debate do governo, demonstrando que a floresta em pé pode gerar mais riqueza e combater mais a miséria das populações tradicionais no interior da Amazônia do que o desmatamento”.
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