Para pesquisadores, as diferenças de doação são explicadas pela sensibilidade ao grau de urgência das causas (Governo do Estado de São Paulo/Divulgação)
Bússola
Publicado em 5 de agosto de 2021 às 15h43.
Última atualização em 5 de agosto de 2021 às 16h07.
Por Renato Krausz*
Entre várias coisas que a pandemia ajudou a descortinar no Brasil está a necessidade de consolidarmos com mais apuro no país a cultura de doação de empresas e pessoas físicas.
A disparada do ESG colocou mais lenha nessa fogueira, positivamente por um lado, ao cristalizar o entendimento de que não existe sustentabilidade onde um número colossal de pessoas vive privado de uma série de necessidades básicas, e negativamente por outro, ao fazer com que algumas empresas cogitassem rever suas ações filantrópicas para “abraçar o tal do ESG”. Falamos disso aqui na Bússola em abril.
Seja lá como for, o fato é que ainda doamos pouco em comparação com países nos quais essa cultura está mais enraizada. E, ainda mais revelador, entre pessoas físicas, uma pesquisa recente, premiada internacionalmente, acaba de provar que os ricos no Brasil doam menos que os pobres e não favorecem as causas mais urgentes.
Capitaneados pelo doutorando da FGV Yan Vieites, os pesquisadores realizaram cinco estudos entre 2017 e maio de 2021 com moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e de bairros ricos da zona sul. O maior estudo contou com 410 pessoas, e o menor, com 253.
As pessoas eram abordadas na rua e convidadas a responder a uma pesquisa, pela qual recebiam 10 reais como recompensa. Os pesquisadores diziam também que estavam ajudando a arrecadar fundos para duas campanhas, uma de causas urgentes — comida, abrigo ou segurança — e outra de não urgentes — atividades culturais e esportivas. As pessoas podiam doar ou não.
Em um dos estudos, entre os moradores do Complexo da Maré, 86% toparam doar, e o valor médio foi de 5,57 reais, dos quais 3,74 reais para alimentos e 1,83 real para ações culturais. Entre os ricos, na zona sul, o percentual de doadores caiu à metade (43%), o valor médio também foi menor, de 4,30 reais, e a alocação foi inversa: 1,28 real para comprar comida e 3,02 reais para cultura.
Em outro estudo, as diferenças nos critérios de alocação entre as classes sociais ficaram menores quando os pesquisadores usaram peças de grande apelo emocional, como fotos de crianças passando fome. Mas mesmo nestes casos, as causas urgentes só obtiveram preponderância entre os mais pobres.
Para os pesquisadores, as diferenças no padrão de doação das classes sociais são explicadas pela sensibilidade ao grau de urgência das causas. As pessoas de classe social mais baixa já podem ter enfrentado ou testemunhado situações difíceis de acesso às necessidades básicas.
Já que sensibilização é fundamental, aqui vai um reforço em letra maiúscula: A FOME VOLTOU A SER UM PROBLEMA GRANDE NO BRASIL. O déficit de abrigo também. A segurança nem se fala. E temos oceanos a percorrer em educação, cultura e esporte.
Para resolver tudo isso, não existe bala de prata. Obviamente são necessárias políticas públicas. E também uma ação mais contundente e próxima do mundo privado com o setor social. E, claro, DOAÇÕES. Sobretudo das empresas, mas também dos ipanemers, copacabaners e similares em cidades de todo o Brasil.
*Renato Krausz é sócio-diretor da Loures Comunicação
**Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da revista.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube