Porto Príncipe, capital do Haiti (La_Corivo/Getty Images)
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Publicado em 20 de maio de 2024 às 11h07.
Por Patrick Sabatier*
Haiti foi em 1804 uma das primeiras nações independentes das Américas. Sua população foi o primeiro povo negro a libertar-se, com os exércitos liderados por Dessalines impondo uma fragorosa derrota às tropas napoleônicas. A partir daí, o país apoiou diversos movimentos que visavam a libertação dos povos latinos-americanos, incluindo o de Simón Bolívar, na Venezuela.
Difícil imaginar hoje que, na época da independência, o Haiti foi a segunda nação das Américas a alcançá-la depois dos Estados Unidos. E foi também o primeiro país da América Latina e das Caraíbas a ganhar a independência, causando um efeito dominó no continente. Difícil imaginar que o Presidente haitiano Petion apoiou o projeto bolivariano com dinheiro, armas e soldados, e pediu apenas uma coisa em troca: a lei de emancipação dos escravos na Venezuela assim que Bolívar pusesse os pés no seu país!
Esse pequeno país do Caribe, que foi chamado de a pérola das Índias Ocidentais, tinha tudo para conhecer um destino feliz. Infelizmente viveu e vive uma situação comparável a das sete pragas do Egito.
Voltando no tempo, no Haiti caíram pragas dignas das desgraças do Egito faraônico, desfigurando o país e sua vibrante e alegre comunidade caribenha, para torná-la um condensado de miséria.
Se olharmos para os últimos 500 anos, a lista é infindável: escravidão, guerras de libertação, a injusta compensação pela independência que o país teve de pagar durante décadas para a França, a política colonialista americana, ditaduras políticas, ciclones, miséria e o êxodo massivo da população.
E, se focarmos nas últimas décadas, essas sete pragas chamam-se terremoto, cólera, a desintegração de todas as formas de autoridade pública, a perda do controle do país para gangues armadas, paralisia econômica, ausência de alternativas republicanas, e a incapacidade da comunidade internacional para trazer soluções para a crise.
Em 2010, um terremoto matou mais de 230 mil pessoas, deixou mais de 1 milhão desabrigadas e destruiu grande parte da infraestrutura da capital, Porto Príncipe. Pouco depois do sismo, uma epidemia de cólera, trazida pelos soldados das forças de manutenção da paz do Nepal, eclodiu e causou 10 mil mortes.
A epidemia pode ser considerada um símbolo da intervenção internacional, que tem um balanço globalmente negativo, ao ter se mostrado incapaz de reconstruir o país e de reforçar as instituições. Pelo contrário, já que na década de 2010 ocorre a eleição de Michel Martelly como Presidente da República. Durante seu mandato, a corrupção e o conluio entre o mundo empresarial cresceram e se sofisticaram. Em seu mandato e no de seu sucessor, observamos uma verdadeira desintegração política que levará ao desaparecimento do poder legislativo, ao assassinato do Presidente Jovenel Moise e depois à recente demissão do Primeiro-Ministro Ariel Henry, cuja legitimidade foi contestada por todos.
Desde 2020, Porto Príncipe tem sido palco de uma guerra de gangues, que só cresceram nas últimas décadas por conta da incapacidade das autoridades e das forças de segurança haitianas para lutar para manter o controle da cidade. Com as gangues supostamente controlando até 90% da capital, criou-se um clima de medo, paralisação, devastação e desespero para a população, totalmente refém desses grupos.
Mas, mesmo com toda essa situação desesperadora, vale a pena pensar em saídas desse verdadeiro inferno para um país no coração das Américas, do tamanho da Bélgica e com cerca de 10 milhões de habitantes.
Após dois meses de caos devido à violência de gangues, os políticos haitianos finalmente chegaram a um acordo para formar um conselho de transição presidencial de nove membros com duração de 22 meses. Essa era uma condição necessária, porém não suficiente. Há sete etapas-chave no caminho de uma solução global.
Tudo isso pode parecer o equivalente aos sete trabalhos de Hércules, mas não podemos perder a perspectiva de que ainda existe uma última janela de oportunidade para salvar esse país maravilhoso, cuja beleza e cultura podem voltar a ser o cartão de visita dessa verdadeira pérola caribenha.
*Patrick Sabatier é formado em direito pela Universidade de Bordeaux, é Diretor de Relações Corporativas da L’Oréal Brasil e Presidente da Câmara de Comércio França Brasil no Rio de Janeiro. Ele cresceu no Haiti, país com qual conserva várias conexões.
Uma versão reduzida deste artigo foi publicada no jornal O Globo no dia 27 de abril.
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