Apesar do tema ser novo por aqui, não é novo no mundo (Fernando Torres/CBF/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 16 de agosto de 2021 às 09h00.
Última atualização em 16 de agosto de 2021 às 11h28.
Por Leonardo Ugatti*
A lei nº 14.193/21, resultante do Projeto de Lei nº 5516/19, representa importante marco legal para os clubes de futebol brasileiros. A lei tem o propósito de permitir que clubes passem a ter uma formatação jurídica mais semelhante com a de empresas — mais especificamente das sociedades por ações.
No lugar de serem constituídos como uma associação civil (o que ocorre atualmente), os clubes passam a ser constituídos como “sociedades anônimas do futebol”, o que abre um grande leque para possíveis novas formas de financiamento. A partir de agora, caso desejem, poderão ser regulados pela Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.), o que os torna aptos a emitir títulos de dívida, vender parte de seu capital a investidores, ou até mesmo realizar aberturas de capital e emissões de ações em bolsa.
Apesar do tema ser novidade por aqui, o clube-empresa já existe na Europa há anos. Dados da consultoria Ernst Young apontam que 92% dos clubes europeus da primeira divisão estão organizados como clubes-empresa. É o caso de clubes como Manchester United e Juventus, hoje companhias de capital aberto e com ações listadas em bolsas europeias.
Um dos principais pontos da legislação europeia, no entanto, é que o controle dos clubes deve ser mantido com suas entidades controladoras originais, como é o caso do grupo Exor (controlador da Juventus) ou Família Glazer (controladora do Manchester United).
A legislação brasileira, apesar de possuir outras vedações, não abordou a questão da mudança de controle, o que permitiria, a princípio, que fundos de investimento e entidades privadas passem a exercer o controle dos clubes-empresa. É necessário ter cuidado, no entanto, quanto à sucessão de direitos e deveres, ponto relevante da lei
A lei tem potencial de modificar o mercado financeiro e de futebol no Brasil.
Pelo lado do mercado financeiro, os clubes passam a ser a grande novidade, na medida em que seguem uma lógica distinta das empresas tradicionais. Se, por um lado, muitos possuem grandes passivos fiscais e trabalhistas, há uma infinidade de diferentes fontes de receita como verbas de patrocínio, mensalidades, passes, direitos de imagem, premiações, entre outras.
Há, também, o fator “paixão”, que pode levar muitos investidores-torcedores a apoiar seus clubes por meio de títulos de investimento (de dívida ou equity), que não necessariamente estejam preocupados com a rentabilidade ou técnicas de valuation e de análise econômica.
A afinidade ou paixão pelo clube do coração serão, nesses casos, importantes motivadores do investimento naquele clube, ainda que a eventual oferta tenha fatores de risco. Há que se analisar, então, como o fator paixão pode afetar (positiva ou negativamente) esse mercado.
Do lado do futebol esporte, os clubes passam a estar sujeitos a diversas novas regras de governança e transparência, nunca antes vistas no Brasil. Por exemplo, o artigo 5º da lei prevê que os clubes-empresa deverão ter conselhos de administração e fiscal de funcionamento permanentes. Além de ser uma exigência mais dura que aquela aplicável às próprias sociedades por ações, tal mecanismo parece buscar novos níveis de transparência aos clubes, tornando-os sujeitos a maior escrutínio pelos investidores e pelo mercado.
O artigo 8º da lei exige uma série de informações e documentos que deverão passar a ser divulgados no site do clube-empresa, como seu estatuto, composição de conselhos e comitês, relatório da administração e biografia dos seus administradores.
Apesar de ser esperado um período de adaptação e aprendizado tanto pelos clubes quanto pelo mercado, a lei nº 14.193/21 parece ser um interessante fator motivador da maior transparência, profissionalização e aproximação do esporte com o mercado financeiro. No longo prazo, isto poderá viabilizar a compra de melhores jogadores e o engrandecimento das ligas nacionais, especialmente no mundo pós-covid-19, com a volta de eventos presenciais.
*Leonardo Ugatti é sócio do escritório A&P Advogados
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