É preciso desenvolver cultura forte que conecte a digitalização e a humanização (sorbetto/Getty Images)
Bússola
Publicado em 5 de dezembro de 2021 às 14h57.
Última atualização em 5 de dezembro de 2021 às 15h10.
Por Alexandre Duarte*
Ao longo dos últimos anos, implementar as melhores soluções para otimizar processos, diminuir custos e aumentar a produtividade pareceu o cenário perfeito para garantir o crescimento exponencial dos negócios e o avanço da sociedade como um todo. A inovação tecnológica vem nos tornando mais produtivos, sustentáveis, e possibilitando que vivamos mais e melhor. Mas se por um lado rompemos barreiras, ganhamos flexibilidade e escalabilidade, por outro nos distanciamos da dimensão humana.
Em meio a máquinas, dispositivos de comunicação online, códigos de aplicações, números e estratégias, deixamos de lado a importância de criar e desenvolver relações interpessoais reais, consistentes e duradouras. Um paradoxo que nos tornou distantes logo quando a digitalização nos possibilitou ficar ainda mais perto. Um cenário evidente no mercado corporativo. Na ânsia pela transformação digital, muitas organizações acabaram deixando de lado a importância do humano para a construção de um espaço saudável, capaz de proporcionar o desenvolvimento pessoal e profissional de cada indivíduo e, consequentemente, o sucesso sustentável e de longo prazo dos negócios.
Isso não significa que as tecnologias não possam caminhar juntas com o lado humano. Muito pelo contrário. O desenvolvimento de uma cultura forte, capaz de conectar essas duas pontas é fundamental para avançar na digitalização e, principalmente, na humanização. Recente levantamento realizado pela Red Hat, em parceria com a Harvard Business Review, mostrou que 55% dos líderes enxergam a cultura como um entrave para a inovação. Isso porque uma transformação digital efetiva está baseada na construção de uma cultura aberta, colaborativa e com foco nas pessoas.
Empresas que criam e sustentam uma cultura na qual os funcionários prosperam junto ou até mais do que os negócios são três vezes mais produtivas do que aquelas que não o fazem, segundo levantamento da Gallup.
Humanização
Embora 84% das empresas entendam a melhoria da experiência dos colaboradores como uma questão importante, apenas 9% delas estavam prontas para endereçar o tema, como mostra o relatório Global Human Capital Trends 2019 da Deloitte. Esse ponto acende a luz de alerta para a necessidade de uma ressignificação urgente das relações humanas. Se no passado os princípios da racionalização do trabalho — por meio da observação dos tempos e movimentos — moldaram as organizações para impulsionar a produtividade e hoje os líderes estão centrados na digitalização para criar vantagem competitiva, a próxima fronteira está na humanização.
O futuro que já desponta no horizonte vai requerer foco nas pessoas e uma reconstrução do modelo de trabalho. Em um mundo no qual as pessoas buscam propósito, as empresas mais humanas aparecem como resposta a esse anseio. Essas organizações, alicerçadas em valores claros e ancoradas pela essência da existência humana, são muito mais inspiradoras, colaborativas e estão empenhadas em criar uma experiência agradável e repleta de significado para seus colaboradores. Elas estão construindo o que a PwC chamou de “mundo amarelo” no report Workforce of the future: the competing forces shaping 2030, no qual a humanidade é o ativo mais altamente valorizado.
A ideia de personalização tão disseminada pelo mercado para criação de experiências únicas passa a se aplicar a esse novo contexto. As empresas mais humanas perceberam que não há uma receita padrão que seja válida para todos. As necessidades da equipe variam de acordo com a personalidade, com o estilo de vida, e com a cultura e as experiências pessoais de cada integrante. Por isso, a importância de enxergar cada colaborador como um ser humano único em sua integralidade, com desejos, limitações e potenciais diferentes.
Colaboração
Organizações mais humanas e com uma cultura sedimentada geralmente adotam modelos de gestão alternativos, como o Open Management (ou gestão aberta, em tradução para o português). Diferente da performance e dos resultados a qualquer custo, as companhias que apostam nesse sistema consideram o perfil de cada colaborador dentro do coletivo, procuram envolver o time nas tomadas de decisão e entregam um ambiente que estimula a troca, a criatividade e a colaboração.
As bases para esse formato vieram, justamente, da tecnologia, o que reforça a sinergia possível entre o humano e o digital. Apoiado nos pilares do open source, no qual todos têm voz e oportunidade para uma construção conjunta, o Open Management tem como seu principal catalisador dentro das corporações as pessoas, principalmente as lideranças. Os gestores precisam ser espelhos da cultura da companhia, atuando como fontes de inspiração para cada colaborador e estimulando seu crescimento. Quando cada profissional sabe sua função, seu valor e reconhece propósito naquilo, forma-se um efeito cascata de engajamento e senso de pertencimento que é fundamental para a criação e o sustento das relações humanas.
Gestão
Em um estudo recente da EY, 80% dos líderes disseram acreditar que o propósito de sua empresa era claro e embutido na cultura. No entanto, somente 10% dos funcionários enxergavam que a corporação estava implementando aquilo na prática. Eliminar esse tipo de desconexão é o primeiro passo para humanizar. As organizações não podem simplesmente supor, elas precisam envolver seus colaboradores, combinando elementos inspiradores e práticos, para que a mudança não apenas pareça real, mas que realmente seja uma transformação aplicada e considerada em todos os processos e iniciativas. Conectar paixão pessoal e propósito corporativo nunca foi tão importante.
Evitar esse tipo de abismo na relação entre a empresa e o colaborador é um dos princípios da gestão aberta. Nela, os gestores estão sempre dispostos a ouvir seus liderados, recebendo e dando feedbacks que possibilitem alinhar as expectativas. Esta abordagem orientada às pessoas contribui para entender genuinamente as motivações dos colaboradores, cria empatia e reforça relações de transparência e confiança.
Aberta e humanizada, essa gestão cobra do líder uma postura muito mais preocupada com as pessoas e com os comportamentos do que com números. Os números são consequências nessa relação de causa e efeito. Uma equipe coesa, engajada, com mente e corpo sãos, inserida em um ambiente criativo e que estimula o bem-estar e o desenvolvimento vai, por si só, performar muito melhor. Em um período de 4 a 16 anos, empresas humanizadas alcançam mais que o dobro de rentabilidade financeira, segundo dados do projeto Empresas Humanizadas no Brasil, capitaneado pela Escola de Engenharia de São Carlos (USP).
Nessa nova realidade que se avizinha, ressignificar é palavra de ordem. As organizações precisam rever conceitos, processos, relações de trabalho e principalmente, propósitos. Para isso é preciso coragem, flexibilidade e a compreensão de que apenas humanos e equipes lideradas por humanos podem chegar mais longe. Muito além de vantagens e recompensas, essas companhias precisam moldar gestores aptos para o futuro, com habilidades de se colocar no lugar do outro e inspirar. Sempre lembrando que uma verdadeira experiência humana é aquela que incorpora significado ao trabalho e permite que cada indivíduo contribua da maneira mais positiva, solidária e pessoal.
*Alexandre Duarte é VP de Consultoria e Treinamentos para a América Latina na Red Hat
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