Presidente Biden rompe com 40 anos de agenda liberal na economia dos EUA. (Kevin Lamarque./Reuters)
Da Redação
Publicado em 13 de maio de 2021 às 18h17.
Última atualização em 13 de maio de 2021 às 20h38.
Por Márcio de Freitas*
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, despertou a Casa Branca à nova dinâmica no exercício do poder. Impõe agenda que rompe com o passado recente de governos, independentemente de serem republicanos ou democratas, que não conseguiram se distanciar da agenda de Ronald Reagan/Richard Nixon do século passado. É ruptura com quarenta anos seguidos de agenda liberal na economia, conservadora nos costumes e de poucas concessões às minorias.
Ao abrir os cofres com pacotes cada vez mais bilionários, os Estados Unidos mudam o eixo de e para quem governar. Há grandes projetos em obras de infraestrutura no programa já em tramitação no Congresso, mas atreladas à redução de emissão de carbono. A preocupação com as mudanças climáticas ganha espaço na ação governamental, mexendo com processos industriais e matrizes energéticas, no país que se movimenta no ritmo do petróleo desde o século 19.
Após a tresloucada gestão Trump, voltam os servidores públicos profissionais, inclusive na área das relações exteriores. Menos ideologia, mais pragmatismo. Nem por isso a China deixa de ser adversária, se antes era mais por ser comunista, agora é mais por ameaçar a hegemonia econômica dos EUA. Mesmo que as coisas não se separem muito bem com ambos.
Recursos fluem para programas sociais entrelaçados por investimentos em educação e pesquisa científica. E há pequenos gestos grandiosos de reunir novamente os filhos de imigrantes ilegais, presos e separados dos pais durante anos. E ele ainda incentiva os trabalhadores a se sindicalizar! Com exclamação, porque Hoffa se moveu no túmulo.
Se esse Biden fosse brasileiro, seria chamado de comunista. Se Lula abraçar agenda semelhante no próximo ano, dirão que ele é bisneto de Karl Marx. Já o dizem por bem menos.
Não foi esse Biden entretanto que venceu a disputa com Donald Trump. Sua versão eleitoral foi muito mais suave. E o foi porque na campanha ele precisava de todos votos possíveis para bater o presidente no exercício do mandato. E com folga maior no voto popular do que a obtida por Hillary Clinton quatro anos antes.
Vencedor, Biden foi chamado de presidente da transição. Ocuparia o cargo à espera de alguém mais jovem para começar um processo de transformação dos Estados Unidos.
Seus discursos iniciais mostraram que ele não levou a sério as previsões dos analistas. Recorreu aos documentos fundadores dos Estados Unidos, recuperando para suas frases aberturas como “we, the people”, da constituição democrática mais longeva do mundo.
Biden tem clareza de que precisa enfrentar essa barreira sólida e firme erguida por Reagan. Clinton não mudou os rumos, abriu tantas prisões, combateu imigrantes e ignorou minorias para ficar na Casa Branca e não perder o mandato pelos escândalos sexuais que protagonizou. Barack Obama enfrentou forte resistência ao seu governo, teve de superar a maior crise no sistema financeiro desde 1929 e conseguiu deixar de legado um Obamacare desidratado, mas ainda assim importante.
A ousadia do Sleepy Joe (o dorminhoco, segundo a ironia de Trump) mostra que ele abraçou uma tentativa de resgate de ideais da América que acolhe imigrantes, defende igualdades, inova, investe para criar condições para a iniciativa privada avançar. Trouxe o foco para as pessoas, os “americanos” – como se identificam. Um lado dos Estados Unidos que nunca deixaram de lutar, mas que nos últimos anos, com a timidez no trato das lutas sociais entre republicanos e democratas, havia deixado de ser a referência nos discursos e ações da Casa Branca.
O velho Joe decidiu resgatar essa veia de alguns dos presidentes que marcaram história. Basta lembrar que Abraham Lincoln entrou na Guerra de Secessão sem defender o fim da escravidão. Mas acabou assassinado porque libertou milhões de negros. Ficou na história como um dos maiores presidentes pelos discursos, e pela luta em favor da igualdade, mesmo que só tenha abraçado a causa anti-racista ao final do mandato.
A luta social brasileira tem um filão enorme para reparar as injustiças e desigualdades. Mas quase nenhum político a simboliza de forma visceral. E muito menos que faça disso sua plataforma de campanha. Se alguém achar um candidato dormindo na próxima eleição no Brasil, pode ser só consequência do cansaço mesmo.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
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