A construção de estádios tem um alto custo (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images/Getty Images)
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Publicado em 11 de janeiro de 2023 às 09h32.
Última atualização em 13 de outubro de 2023 às 20h29.
Por Fernando Trevisan*
Em 30 de outubro de 2007 o presidente da Fifa à época, Joseph Blatter, anunciava o Brasil como sede da Copa do Mundo de futebol masculino. O que seguiu dali em diante em termos econômicos, políticos, culturais e esportivos demonstra que a década de 2010 representa um caso à parte na história nacional. Além de receber não apenas a Copa em 2014, mas também os Jogos Olímpicos dois anos depois, o País enfrentou uma onda de protestos de rua em 2013, um impeachment presidencial em 2016 e uma profunda crise política e econômica nos anos seguintes.
Além das exigências relacionadas à infraestrutura de mobilidade urbana e turística, um dos principais itens demandados pela Fifa diz respeito, obviamente, à qualidade das instalações esportivas onde se darão os jogos. E assim, de uma hora para outra, o Brasil se viu forçado a finalmente levar seus estádios ao encontro dos melhores padrões internacionais.
A Copa do Mundo de 2014 aconteceria em 12 cidades-sedes, e cada uma deveria providenciar a oferta de um estádio de acordo com o caderno de encargos da Fifa. Seja reformando ou construindo do zero, era preciso renovar os equipamentos esportivos destes locais. A partir de 2008 começaram a se discutir os diferentes projetos de arenas para cada cidade-sede. Alguns estádios privados, outros públicos, cada um tinha que encontrar o seu caminho e garantir que o local estaria pronto para receber os jogos seis anos depois.
Mas o interessante é que este processo nas cidades-sedes gerou rapidamente um certo efeito multiplicador. Mesmo clubes com estádios que não receberiam a Copa resolveram lançar seus projetos de nova arena, casos de Grêmio e Palmeiras.
Em 8 de dezembro de 2012 era inaugurada então a primeira arena dessa nova geração: a Arena do Grêmio. A partir dali se seguiram as inaugurações das 12 arenas que seriam palco da Copa de 2014 e do Allianz Parque, novo estádio do Palmeiras. E assim se configurava um ambiente completamente novo: 14 estádios de última geração, com cerca de 700 mil assentos no total, nos mais altos padrões de qualidade. Com pelo menos 15 anos de atraso em comparação com mercados mais desenvolvidos, o Brasil finalmente ingressava no mundo das arenas multiuso, e junto vinha todo um potencial de transformação da experiência do público num evento esportivo e de entretenimento no país.
Passados dez anos do início deste processo, é possível fazer uma avaliação do que de fato evoluiu e o que ainda precisa ser melhorado para os próximos a partir de três dimensões: presença de público, impacto econômico, e qualidade da experiência do espectador.
Do ponto de vista da presença de público nos estádios desde então, pode-se considerar que houve uma evolução importante. O Campeonato Brasileiro da Série A de futebol masculino registra média de quase 22 mil pessoas por jogo em 2022, o que representa um aumento de 63% em dez anos. É possível atribuir parte relevante deste crescimento à melhoria da qualidade das instalações. Gramado bem cuidado, iluminação adequada, segurança e conforto, novos serviços atraindo um público novo, tudo isso contribui para aumentar a atratividade do espetáculo.
Muitos dos novos estádios foram concebidos para receber bem outros tipos de eventos, aumentando o fluxo de pessoas nos equipamentos. Não é à toa que o Allianz Parque é um dos estádios que mais recebe eventos de grande porte no mundo, tendo batido o recorde mundial em 2017: foram nada menos do que 16 ao longo daquele ano, ou seja, mais de um por mês.
Na segunda dimensão da análise, a melhor qualidade do serviço e a setorização bem feita dentro do equipamento permite a cobrança de um valor adicional no ingresso, aumentando o tíquete médio, assim como a oferta de camarotes e setores premium trouxe para dentro do estádio um público que não participava antes: o empresarial, gerando resultado econômico importante não só para os proprietários destes espaços, mas para toda a cadeia produtiva do setor.
Mas nem tudo são flores. Algumas expectativas que se tinha quando começaram a surgir as novas arenas foram frustradas. Sobram muitos lugares vazios. A taxa de ocupação média dos estádios no Brasileirão é de cerca de 60% – 4 milhões de ingressos não são vendidos em cada edição. Imagina quanto isso poderia representar de adicional de receita para os clubes? Nas principais ligas de futebol da Europa os patamares são de 95% de ocupação. É claro que a média de público varia muito entre os clubes no Brasil, com alguns já atingindo níveis de futebol europeu, mas o fato é que na média seguimos muito mal nesse aspecto.
Em termos de impacto econômico, além dessa perda com ingressos não vendidos, podemos destacar a profunda frustração que foi o chamado “naming rights” com pouquíssimos casos bem-sucedidos. De cara, tivemos os direitos do novo estádio do Palmeiras vendido para a seguradora Allianz mesmo antes de sua inauguração, e a cervejaria Itaipava fechando acordo com o novo estádio da Fonte Nova, em Salvador. E só. Apenas anos depois o estádio do Corinthians finalmente fechou acordo desse tipo, depois de quase 10 anos de operação, e o novo estádio do Atlético-MG, com a construtora MRV.
Por fim, não há dúvidas de que a experiência do fã num estádio novo é bem diferente do que era antes das novas arenas, mas ainda prevalecem situações que imaginávamos não ter de lidar mais. Havia, por exemplo, a expectativa de que a modernização do processo de venda de ingressos, impulsionado pelas novas arenas, pudesse acabar com a prática do “cambismo”, mas ainda que tenha ficado mais difícil para eles, os cambistas seguem presentes nos jogos de maior demanda.
Ainda que alguns dos projetos de novas arenas se mostraram problemáticos, com baixa demanda de público local, na média é inegável que houve um salto na qualidade das instalações esportivas. Mas ainda há muito por fazer, e os gestores têm vários desafios pela frente. O que significa também mais oportunidades para quem quer fazer a diferença e contribuir para o contínuo desenvolvimento desse mercado.
*Fernando Trevisan é diretor da Trevisan Escola de Negócios
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