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Nelson Eizirik: oferta pública de aquisição e a necessária segurança jurídica

O artigo 116 da Lei das S.A. considera como acionista controlador aquele que comanda os negócios, utilizando seu poder para determinar os rumos da companhia

Judges gavel on keyboard with glowing computer screen monitor background. (BCFC/Getty Images)

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Publicado em 24 de outubro de 2024 às 07h00.

Por Nelson Eizirik*

Recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), referente à eventual alienação do controle acionário da Usiminas, tem ocasionado críticas sobre a interpretação que conferiu ao artigo 254-A da Lei das S.A., uma vez que o Tribunal foi contrário à posição há muito adotada pela CVM e pela doutrina do direito societário.

Dada a sua qualidade e sistematicidade, a Lei das S.A. é considerada um verdadeiro “monumento legislativo”. Quanto ao artigo 254-A, ele estabelece que a alienação do controle acionário de uma companhia de capital aberto somente poderá ser contratada se o adquirente fizer uma Oferta Púbica de Aquisição (OPA) aos acionistas minoritários, pagando-lhes, no mínimo, preço igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto integrante do bloco de controle.  Trata-se do “tag along”.

O artigo 116 da Lei das S.A. considera como acionista controlador aquele que comanda os negócios, utilizando seu poder para determinar os rumos da companhia. A caracterização do controle acionário pressupõe a ocorrência cumulativa de três requisitos: a predominância de voto nas assembleias gerais, com a eleição da maioria dos administradores; a permanência dessa predominância: e o uso efetivo do poder de dominação para dirigir as atividades.

A presença de tais requisitos essenciais à caracterização do controlador pode se verificar na figura de um acionista (pessoa física ou jurídica) ou de um grupo controlador, cujos membros exercerão o controle da sociedade em conjunto. Imagine-se a seguinte situação: na companhia X, Fulano detém 30% das ações, Beltrano 30% e Sicrano 20%, nenhum deles conseguindo, isoladamente, eleger a maioria dos administradores e determinar os rumos de atuação da companhia. Desejosos de conferir à X uma orientação estável de atuação, assinam um acordo de acionistas, mediante o qual se comprometem a votar em conjunto; nessa hipótese o controle é exercido em conjunto pelos três acionistas, que formam um “bloco de controle”, de forma compartilhada. 

Como se aplica a obrigatoriedade do “tag along” no caso do bloco de controle? 

Não é qualquer alienação de ações vinculadas ao bloco de controle que enseja a aplicação do artigo 254-A, ou, na linguagem do mercado, que “dispara o gatilho da OPA”.

Constitui requisito essencial para que se crie a obrigação de fazer uma OPA que os integrantes do bloco de controle cedam, total ou parcialmente, suas ações para um terceiro e que este assuma posição dominante na companhia, com poderes suficientes para imprimir uma nova orientação às atividades sociais. Ou seja, torne-se o novo acionista controlador.  

Eventuais trocas de posições ocorridas dentro do bloco de controle não caracterizam a alienação do controle para os fins do artigo 254-A. No caso do controle compartilhado, a eventual transferência de ações de um acionista para outro, ambos integrantes do bloco de controle, e sem alterar a vontade prevalecente dentro dele, não configura alienação do controle.

O mesmo ocorre quando um novo acionista ingressa no bloco de controle 

Assim, no nosso exemplo, se Fulano vende suas ações para Adamastor, que se junta a Sicrano e Beltrano, não há obrigatoriedade de Adamastor fazer uma oferta pública de aquisição aos minoritários, pois não pode exercer isoladamente o controle, posto que não assumiu uma posição de dominação dentro do grupo controlador anteriormente constituído.

De acordo com a CVM e a doutrina do direito societário, não há “disparo do gatilho” do tag along quando se verifica a alienação de parte das ações que integram o bloco de controle, salvo se for assegurado ao novo integrante do acordo poderes para, isoladamente, determinar mudanças na orientação geral dos negócios da companhia.

O que ocorreu no caso presente? 

O controle da Usiminas era exercido de forma compartilhada pelo bloco formado pelos Grupos Nippon, VC (Votorantim e Camargo Corrêa) e CEU (Caixa dos Empregados da Usiminas), que detinham, conjuntamente, 63,86% do capital votante da companhia, e eram signatários de um acordo de acionistas que disciplinava o exercício do direito de voto e atuação conjunta na condução dos negócios. Nenhum dos três grupos tinha condições de, isoladamente, exercer as prerrogativas de acionista controlador. A Ternium adquiriu as ações da VC e parte das ações da CEU e em seguida assinou-se um novo acorde de acionistas. Assim, criou-se a seguinte situação: Ternium tornou-se titular de 43,31% das ações com direito de voto da Usiminas vinculadas ao acordo de acionistas, o Grupo Nippon, de 46,12%; e a CEU, de 10,47%.

O novo acionista – Ternium – ingressou no bloco de controle, e o novo acordo de acionistas manteve os mecanismos e princípios de governança do acordo anterior. A Ternium, com tal aquisição, não adquiriu poderes para, individualmente, produzir mudanças nos negócios da Usiminas. Ou seja, o seu ingresso no grupo de controle não caracterizou o surgimento de um novo acionista controlador.

A decisão da Terceira Turma do STJ, ao entender que houve alienação do controle acionário da Usiminas, não está, a nosso ver, juridicamente correta.

Ademais, cria insegurança jurídica, pois, face à referida decisão, fica a incerteza e o risco, para o comprador, de deparar-se com uma obrigação pecuniária que pode ser de elevado valor, não prevista na Lei das S.A., nem na doutrina do direito societário brasileiro e nas reiteradas decisões da CVM. 

* Nelson Eizirik é advogado, professor de Direito da FGV-RJ e autor do livro “A Lei das S.A. Comentada

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