Ser cringe significa algo como “encolher-se em vergonha” (Getty Images/Reprodução)
Bússola
Publicado em 23 de junho de 2021 às 19h30.
Última atualização em 23 de junho de 2021 às 19h44.
Por Rodrigo Pinotti*
“A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos.” Quem disse isso foi Sócrates, há uns 24 séculos, mas bem que poderia ter sido um millennial qualquer hoje de manhã, magoado por ter sido chamado de cringe por um adolescente imberbe no Twitter neste que é o mais recente episódio do eterno conflito geracional perpetuado pela Raça Humana desde sempre.
Resumindo, nós, millennials, descobrimos nos últimos dias que estamos velhos, ao ler críticas ferinas da geração Z — os verdadeiros nativos digitais — a hábitos saudáveis e recomendáveis como pentear o cabelo, tomar café da manhã ou apenas tomar café, esse elixir da vida sobre o qual Impérios foram erguidos. Ser cringe é basicamente viver a vida cotidiana de quem nasceu antes de 1995.
Usar o Twitter, aliás, é cringe, pelo que entendi. Claro, nós, millennials, dificilmente travaríamos essa batalha no TikTok ou no Twitch. Sun Tzu ensinou que conhecer o terreno é fundamental para a vitória, e se há algo que a maioria da geração que agora chega ou já está ali pelos seus 40 anos tem dificuldade é em acompanhar a velocidade das mudanças na vida digital e se adaptar às novas plataformas. Não por acaso, 73% dos usuários do Twitch têm até 34 anos.
Eu admito que sou incapaz de acompanhar o TikTok. Diabos (expressão cringíssima), eu não consigo entender nem mesmo como meus filhos conseguem jogar Minecraft. Por outro lado, eu não dispenso o café da manhã, muito menos o café sem açúcar em quantidades industriais ao longo do dia. Uso 😂,😬 e 🙏.
Sou capaz de assistir a um Corinthians x Sport do Recife em uma rodada inócua de meio de tabela, o que vai além do cringe e já beira a insanidade. Também leio jornal (em papel) e sei usar a crase.
Aproveitando, cringe não é nem um adjetivo na língua inglesa, mas sim um verbo, que significa algo como “encolher-se em vergonha”. Sim, apontar erros gramaticais em qualquer língua é muito, mas muito cringe. Usar itálico em cringe é cringe também.
Se você se identifica com uma ou várias dessas coisas, lamento dizer: eu, você e provavelmente a maioria das pessoas com quem nos relacionamos somos cringe. Não que haja algo de errado com isso, muito menos de certo. Copiando Goethe, “o homem se torna um ser distinto em diferentes etapas da vida, mas ele não pode dizer que se tornou melhor, e, em alguns aspectos, é igualmente provável que ele esteja certo aos 20 ou aos 60.” Provavelmente nós precisemos é aprender com tudo isso.
No fim, tudo envelhece. Coisas, pessoas, tendências, até startups — tudo fica velho um dia, à medida que coisas mais legais, mais chamativas e com mais frescor aparecem. Nós, quarentões e quarentonas, estamos apenas começando a pagar pelo que fizemos com os boomers e sua ética de família unicelular, trabalho ordenado, carreira previsível e casa própria. Que atire a primeira pedra quem nunca teclou (minha nossa, sou cringe mesmo) um “OK, boomer” para alguém mais velho. Nossos pais estariam se divertindo com tudo isso, se eles pelo menos soubessem como usar o Twitter.
*Rodrigo Pinotti é sócio-diretor da FSB Comunicação
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