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Marina Spínola: Liderança feminina e os sinais de novos tempos

2023 bateu o recorde de mulheres ministras na história da República brasileira

Onze mulheres estão no comando de pastas ministeriais (Johner Images/Getty Images)

Onze mulheres estão no comando de pastas ministeriais (Johner Images/Getty Images)

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Publicado em 3 de fevereiro de 2023 às 13h00.

Última atualização em 3 de fevereiro de 2023 às 13h22.

Por Marina Spínola

O ano começou tenso, não há como negar. Mas também é preciso reconhecer que 2023 bateu nas nossas portas com um marco histórico: o número de mulheres ministras é o maior na história da República brasileira. São 11 mulheres no comando das pastas ministeriais. Isso significa que quase 30% da alta liderança na Esplanada dos Ministérios é feminina — até o ano passado esse número era de 12%.

Pela primeira vez em 70 anos de criação do ministério, o Brasil terá uma mulher como ministra da Saúde, a cientista social e pesquisadora Nisia Trindade, que presidiu a Fiocruz de 2017 a 2022.  Embora sejam maioria em diversas ocupações no setor de saúde e na economia do cuidado, as mulheres ainda encontram muitas barreiras para ocupar cargos de gestão ou áreas de pesquisa. Mesmo tendo maior escolaridade que os homens, representarem 56% dos estudantes de doutorado no Brasil e, nas ciências da vida e da saúde, serem 60% do total de pesquisadores, as mulheres ainda são sub-representadas nas posições de maior destaque. Elas são, por exemplo, apenas 14% dos cientistas da Academia Brasileira de Ciências.

O ano de 2023 quebrou um outro jejum — neste caso, de mais de 200 anos. Tarciana Medeiros é a primeira mulher a presidir o Banco do Brasil em 214 anos de existência da instituição. Ao contrário do que ocorre no setor de saúde, a área de exatas atrai principalmente os homens. Pesquisas indicam que as mulheres representam menos de 40% das matrículas nos cursos STEM, sigla em inglês para se referir às carreiras na ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) indicam que, do total de profissionais com Certificação de Gestores de Carteiras Anbima (CGA), somente 7% são mulheres.

A histórica e, portanto, esperançosa maior representatividade feminina no alto escalão do poder administrativo federal não encontra ressonância nos demais níveis da federação nem nos outros poderes da República. Infelizmente, o desequilíbrio de gênero (e raça) ainda é a regra no setor público brasileiro — em alguma medida, no mundo.

Na semana passada, os telejornais do mundo reproduziram o discurso emocionado da primeira ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que anunciou que renunciará ao cargo, a oito meses do fim do mandato. Ela é uma das líderes de maior repercussão internacional dos últimos anos. Foi a mulher mais jovem a assumir a liderança de um país, aos 37 anos, a segunda a dar à luz durante o mandato e a primeira a tirar licença-maternidade — foram seis semanas de cuidados exclusivos à filha. Chamou a atenção do mundo quando, em 2018, levou a cria junto com ela para participar da Assembleia Geral da ONU e, com isso, não interromper a amamentação. Enquanto a ministra discursava e trabalhava, era o pai da criança, que também viajou para Nova York, que assumia os cuidados. Jacinda tomou os holofotes globais ao se destacar positivamente na gestão de crises sensíveis no seu país — como os ataques às mesquitas e o manejo da covid-19.

Sem querer embaçar os sinais de melhores tempos para nós, mulheres, nos ambientes de trabalho e espaços de tomada de decisão, a renúncia de Jacinda pode significar um sinal de alerta. Depois de dois anos de caos pandêmico, o nível de burnout, síndrome do esgotamento profissional, aumentou consideravelmente — o Brasil é o segundo país com o maior número de casos.

O burnout afeta mais as mulheres do que os homens. A primeira razão para isso, que desencadeia todos as demais, é o machismo estrutural, que desvaloriza o trabalho feminino e, de maneira ainda mais forte, quando se trata de mulheres que também são mães. Além da jornada de trabalho remunerada, após deixarem o escritório, as mulheres são responsáveis também por uma extensa lista de tarefas, como os cuidados com a casa, filhos, outros entes da família. Soma-se aos afazeres, o trabalho mental de organização e planejamento das diferentes esferas da vida, que dá origem à chamada carga mental feminina. Esse trabalho não remunerado é invisibilizado e desvalorizado, embora seja extenuante, consumidor de tempo e de energia de todas — inclusive e, bem possivelmente, da ministra Jacinda Ardern.

Portanto, para além da falta que a neozelandesa fará no cenário político mundial, ela nos ajuda a chamar a atenção para a necessidade de todos nós — mulheres e homens — reimaginarmos uma nova ordem em que seja possível um progresso feminino nos espaços de poder com mais gentileza e menos dor. Que a sociedade equilibre melhor a divisão do trabalho e crie condições de apoiar mulheres e homens a conciliarem de forma mais saudável a realização profissional com as rotinas familiares. Que as meninas que virão a desempenhar funções de liderança possam fazê-lo com maior equidade de oportunidades.

Por fim, a surpreendente decisão da Jacinda traz também uma lição que, suavemente, traz a sua marca e a de muitas mulheres que chegam no topo e iluminam o caminho das outras que virão: a coragem de reconhecer e expor seus limites e acolher suas vulnerabilidades. Um ensinamento para todos nós, que construímos o mundo, cada qual no seu espaço e com suas possibilidades. Um aprendizado que pode fazer com que os espaços e as relações de poder sejam melhores não somente para as 11 ministras do Brasil, mas, certamente, para todos — homens e mulheres.

*Marina Spínola é diretora de relações institucionais e sustentabilidade da FDC e conselheira do Pacto Global e Capitalismo Consciente

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