O presidente Lula (centro); o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro (à dir.); e o comandante do Exército, general Tomas Paiva (à esq.), participam da celebração do Dia do Exército, em Brasília, em 19 de abril de 2023 (AFP/AFP)
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Publicado em 4 de setembro de 2024 às 12h30.
Por Mariana Nascimento Plum e Peterson Ferreira da Silva*
No dia 28 de agosto de 2024, o MD celebrou 25 anos de sua criação. Nesse dia, o Ministro da Defesa, José Múcio, fez um anúncio aguardado há muito tempo pelos estudiosos da área: a criação da carreira civil em defesa nacional. Esse avanço não só consolida políticas iniciadas há décadas, mas também responde às demandas contemporâneas por maior governança e coordenação interinstitucional em temas de segurança e defesa, possibilitando ao País enfrentar desafios cada vez mais complexos e interconectados.
A criação, em 1999, do MD foi um marco nas relações civis-militares no Brasil. Antes disso, a gestão da defesa nacional era fragmentada entre os ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e da Casa Militar.
Embora discutido por décadas, o MD somente foi concretizado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), alinhando o Brasil aos padrões das democracias consolidadas, nos quais os processos de alto nível de governança, gestão e supervisão de segurança e defesa nacionais são liderados por civis.
Com o MD, iniciou-se, então, um lento e gradual movimento de aperfeiçoamento da aplicação dos recursos de defesa nacional, de maior coordenação entre as Forças Singulares (MB, EB e FAB) e de maior envolvimento da sociedade brasileira em assuntos de defesa nacional. Nessa direção, destacam-se a aprovação, em 2008, da primeira Estratégia Nacional de Defesa e a criação, em 2010, do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e da Secretaria de Produtos de Defesa, assim como o estabelecimento, em 2021, da Escola Superior de Defesa.
Em 2008, a primeira versão da Estratégia Nacional de Defesa (END) já identificava a ausência de uma carreira civil para atuar no MD como uma vulnerabilidade da pasta. A criação dessa carreira é vista, desde então, como essencial para que civis especializados possam gradualmente assumir funções estratégicas na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas de segurança e defesa nacionais, permitindo que um maior número de militares possa se concentrar em suas atividades-fim. Assim, essa integração e especialização se mostram como etapas naturais para que, no longo prazo, não só o MD, mas outros ministérios respondam de maneira efetiva às questões contemporâneas.
De acordo com os dados fornecidos, em março de 2021, pelo MD, o corpo profissional da pasta era formado por 52% de militares, 23% de civis, 19% de terceirizados e 5% de estagiários. Desses, a maioria dos servidores civis não tem vínculo permanente com o órgão, ocupando cargos de confiança que estão diretamente relacionados com a troca de direção do MD e do Governo Federal.
Tal composição, somada à alta rotatividade dos militares da ativa em posições-chave, gera instabilidades na gestão, assim como dificulta a construção de uma cultura organizacional sólida e de uma memória institucional que assegurem a continuidade administrativa e o aperfeiçoamento das políticas públicas nas áreas de segurança e defesa nacionais, fatores fundamentais para uma política considerada “de Estado” e que necessita de planejamento de longo prazo e de aperfeiçoamento contínuo.
A criação da carreira reflete um amadurecimento nas relações civis-militares, algo essencial tanto para a defesa dos interesses nacionais quanto para enfrentar a polarização social, um dos maiores riscos globais no curto e médio prazo apontados pelo Fórum Econômico Mundial. Desse modo, tal carreira vai permitir que civis especializados, comissionados e de outras carreiras, assim como militares (ativa e reserva), possam compartilhar conhecimentos e experiências.
Ademais, os desafios de segurança e defesa nacionais que o Brasil enfrenta hoje, como o acirramento das tensões e conflitos interestatais, o crime organizado transnacional, o agravamento das mudanças climáticas e a insegurança cibernética, apenas para citar alguns, demandam uma maior integração entre os diferentes órgãos e entidades, assim como uma especialização de longo prazo para seus servidores. Por exemplo, as variadas aplicações em segurança e defesa de tecnologias disruptivas como Inteligência Artificial, Blockchain, Computação Quântica e sistemas espaciais, entre outras, demandam profissionais altamente especializados e com muitos anos de conhecimento e de experiência.
Além disso, considerando que diversos temas da segurança e defesa nacionais (ex. Base Industrial de Defesa e Segurança e proteção integrada das fronteiras) demandam ações interministeriais e interagências de longo prazo, envolvendo articulações com outros ministérios, órgãos e entidades, a carreira civil em defesa facilitará essa sinergia também no nível político-estratégico, promovendo coordenações entre diferentes setores e atores, como Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP); Ministério das Relações Exteriores (MRE); Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); Casa Civil (ex. Agência Brasileira de Inteligência - ABIN); Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (ex. Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil), bem como meio acadêmico, setor privado e organizações da sociedade civil organizada.
Assim como em outros países, a criação da carreira civil para atuar no MD é um passo essencial para o fortalecimento da segurança e defesa nacionais. Esse avanço assegura uma estrutura de defesa mais robusta e preparada para os desafios do século XXI, bem como reflete o compromisso do Brasil com a democracia e a integração civil-militar.
Torna-se fundamental, portanto, que tal carreira, desde o início, (i) seja estruturada para ser transversal (ex. GSI, MD e MJ), (ii) contemple diversas especialidades profissionais, (iii) tenha perfis e funções bem definidas e (iv) tenha incentivos de carreira e de remuneração próximos a carreiras correlatas (ex. Itamaraty, ABIN e PF), a fim de atrair os melhores profissionais do setor público e privado.
*Mariana Nascimento Plum é Diretora Executiva do Centro Soberania e Clima.
Peterson Ferreira da Silva é professor da Escola Superior de Defesa (ESD) e da Universidade da Força Aérea (UNIFA).
As ideias e pontos de vista deste texto são de natureza exclusivamente acadêmica, não representando necessariamente posições oficiais de qualquer órgão ou entidade do governo.
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