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Márcio de Freitas: Lula com Alckmin é prato exótico da 'política fusion'

Determinadas misturas políticas podem travar na boca do eleitor, resistente a engolir certas incoerências históricas

Alckmin não estava cotado para 2022; ao ser cogitado para a vice de Lula, sua cotação subiu no mercado. (Cris Faga/Andressa Anholete/Getty Images)

Alckmin não estava cotado para 2022; ao ser cogitado para a vice de Lula, sua cotação subiu no mercado. (Cris Faga/Andressa Anholete/Getty Images)

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Publicado em 18 de novembro de 2021 às 20h47.

Por Márcio de Freitas*

Determinadas misturas políticas podem travar na boca do eleitor, resistente a engolir certas incoerências históricas. Exemplo disso foi a chapa formada para enfrentar FHC2, em 1998, com Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola. O caudilho tentou deglutir o sapo barbudo na estranha aliança, e por essa estrepolia enfrentou má-digestão até o final da vida. Chefes de novas tendências “fusion” tentam agora um prato com ingredientes um tanto exóticos para 2022: Lula envolvo em lâminas chuchu, decorado com penas de tucano.

Chuchu é o nome de guerra política de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, atualmente filiado ao PSDB. Um político sem grandes sabores, sem aroma forte, sem característica marcante, mas um acompanhamento neutro para pratos bem condimentados. Com suas piadas sobre Pindamonhangaba, sua cidade natal, Alckmin construiu uma relação de próximo distanciamento com vários aliados. Até adversários ficaram nas cercanias das lonjuras com o estilo do paulista. Ninguém conseguia mordê-lo de fato.

O advérbio temporal sobre a filiação política de Alckmin se faz necessário porque ele tem malas prontas para mudar de legenda, caso o governador João Doria vença as prévias do PSDB para ser candidato a presidente no próximo ano. Os dois azedaram a relação que começou na eleição municipal de 2016. No PSDB que ajudou a fundar, Alckmin enfrenta viés de baixa maior do que a B3 nestes últimos dias.

Depois de perder a eleição de 2018, ele voltou aos afazeres de anestesista. Seus aliados perderam protagonismo ou foram cooptados por um agridoce Doria. Alckmin lidera as pesquisas de intenção e voto ao governo paulista. Mas o controle da legenda no estado está nas mãos do vice-governador Rodrigo Garcia, que o cozinharia hoje se tentasse ser candidato ao Palácio dos Bandeirantes.

Alckmin é um velho adversário das hostes petistas. Ele enfrentou várias vezes o PT para ser governador, ou nas duas tentativas frustradas de ser presidente da República. Na primeira, deixou evidente que, apesar da disputa política, suas diferenças ideológicas nem eram tão grandes: envergou um uniforme com vários logotipos de empresas estatais para negar que fosse um privatista, a exemplo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Era a eleição de 2006 e o PSDB vivia um grave conflito de identidade, aprofundado após esse modelito estatal ser exibido na campanha.

Em 2013, o então governador Alckmin e o então prefeito de São Paulo Fernando Haddad comeram o pão que o black block amassou nas manifestações de rua contra aumento de passagens do transporte urbano. Trabalharam afinados para segurar o preço, numa intervenção estatal bem ao gosto das esquerdas. Alckmin havia sido vice-governador de Mário Covas, cujo discurso de choque de capitalismo e gestão havia conquistado corações no centro político nacional, com ecos à direita. O pragmatismo diante da crise é qualidade dos sobreviventes. Estão ambos muito vivos.

Cinco anos depois das quebradeiras de 2013, Alckmin se candidatou a presidente pela segunda vez. Enfrentou Haddad, estepe usado pelo PT no lugar de Lula, preso pela regra da prisão por condenação em segunda instância, após sentença do então juiz Sérgio Moro confirmada pelo TRF 4. O candidato bateu pouco no PT, a quem tratou com elevado nível de civilidade. Tentou focar suas pancadas em Jair Bolsonaro, mas foi impedido pela facada que blindou o candidato do PSL de ser atacado pelos adversários. Sem ter onde bater, o tucano foi depenado na campanha e teve só 4,7% dos votos.

Hoje, tanto o PSDB quanto o PT veem em Bolsonaro o adversário a ser derrotado. Mas Alckmin não estava no cardápio nacional em 2022. Ao ser cogitado para a vice de Lula, sua cotação subiu no mercado. É assediado por vários partidos, PSD de Gilberto Kassab à frente. Mas pode ir também para o PSB de Márcio França. A grande demanda por chuchu inflacionou o preço no mercado político.

Alckmin não deve agregar votos a Lula, já líder nas pesquisas com ampla margem. Talvez até atrapalhe aqueles que cobram coerência absoluta e vão buscar nos arquivos ataques mútuos do passado, a exemplo do que ocorreu com Brizola. Mas como bom piadista de Pindamonhangaba, Alckmin pode quebrar a resistência de setores sociais ao petista. Ou anestesiar alguns críticos sobre o perigo vermelho, usando algumas penas para encobrir as propostas intervencionistas do PT.

Essa união estranha pode trazer vantagens, e danos. Lula não repetiria o desenho de 2002, quando buscou em Minas Gerais o vice José Alencar para estrategicamente criar uma frente eleitoral ao adversário José Serra. O estado tem uma cozinha tradicional e é o segundo maior colégio eleitoral do país. Lá não se mistura chuchu com frutos do mar – elemento alienígena no cardápio tradicional das montanhas. Os mineiros ficariam, por essa receita, fora do jogo nacional e, nesta condição, com liberdade para apimentar muito os pratos oferecidos aos candidatos no período eleitoral. O resultado pode ser ruim de engolir.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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