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Márcio de Freitas: A renovação política pela vaidade

Governos vaidosos correm o risco de errar, por só olhar para o próprio umbigo

Alguns políticos estão “sempre certos” (Andressa Anholete/Getty Images)

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Publicado em 3 de março de 2023 às 20h15.

Narciso morre de inanição porque não consegue se afastar da visão de seu reflexo na água. Há governos cuja vaidade seduz o próprio governante a ponto de causar falta de perspectiva; correm sempre o risco de errar pela paralisia do incomensurável amor próprio. Olham somente para si mesmos, não aceitam críticas nem abrem espaço ao contraditório.

Alguns políticos estão sempre certos, mesmo que suas receitas tenham fracassado antes em outros lugares. Alguns celebram estoques de derrotas. Outros creditam à vitória eleitoral o poder de tudo poder, quando podem somente o que está escrito nas leis. Mas isso não é barreira para tentar impedir a mudança da realidade, moldada a seus desejos mais irreais.

A vaidade do poder pode ser brega, démodé. Permite cenas lamentáveis. Coloca amigos à frente de competências. E pessoas erradas em certos lugares de autoridade produzem erros impessoais certeiros e democráticos – prejudicam a todos. Gera a vaidade a perseguição ao que acham feio, a tudo que é diferente do espelho em que se vêem refletidos.

Essas regras servem à direita e à esquerda, passando pelo centro. O labirinto de espelhos do poder pode deixar perdidos os mais vaidosos, tal encantamento que é provocado também pela corte que se mistura neste processo de jogo de imitação.

A cor do terno é a mesma para todos. O penteado é moda. Os livros do chefe são os mais lidos pelos subalternos. O prato predileto é sempre comunal. A bebida servida segue o paladar palaciano. A língua e o linguajar, as gírias e o vernáculo se acomodam na corte sempre ao sabor da hierarquia insofismável do poder.

Os ritos se repetem durante o tempo do reinado. Rei morto, novos ritos. Em certo sentido, o jogo da imitação conduz os humores das relações do poder, e do poder com a base da pirâmide. E quando há mudança, há abandono de iniciativas autorais e descontinuidade de políticas mesmo que positivas. O Brasil adora abandonar uma obra porque ela já não tem dono…

Em doses moderadas, a vaidade pode funcionar como algo até positivo. Quando o senso de beleza coletiva é maior do que o individual. Governos são voltados à comunidade, não para a satisfação pessoal. Ter isso em mente ajuda a criar um equilíbrio necessário. O governante obtém o melhor reflexo de si mesmo quando o povo que ele governa tem uma boa imagem própria no reflexo positivo da sociedade.

O mau humor pode ser contagioso se o governante é ranzinza e fomenta conflitos sociais. A alegria se espalha quando o sorridente presidente conduz a nação para uma evolução de indicadores. O ódio vocifera ecoando o grito de guerra determina inimigos a serem eliminados. E as crises se dissipam quando há seguro condutor dos destinos coletivos no leme para superar até mesmo os piores momentos de uma nação.

Personagens históricos do mundo passado se adequam nestes perfis. Hitler com ódio; JK com a leveza do sorriso; Winston Churchill com sua espirituosa resistência ou Abraham Lincoln com sua persistência serena para reunificar uma nação partida.

O passado está cheio de histórias. Mas o momento atual aponta para mudança de protagonismo no Brasil em pouco tempo. O presidente Lula disputou seis das nove eleições desde a redemocratização em 1985. Saiu de metalúrgico briguento a Lulinha Paz e Amor, mas sempre polarizando e antagonizando mesmo quando estava ausente das opções eleitorais. Ganhou três, perdeu três e influiu nas outras três, sendo duas vencedor. Sua biografia vai se completando. Pode ainda disputar a eleição em 2026. Ou não, diria o cantor baiano. A saber.

Depois de Lula, haverá enorme renovação na política brasileira. Vários desses novos personagens estão na arena com sinais claros de movimentação nacional futura. Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); do Paraná, Ratinho Jr (PSD); do Pará, Helder Barbalho (MDB) e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Dentro do governo de Lula, há os ministros Renan Filho (MDB), Simone Tebet (MDB) e Flávio Dino (PSB). E, na linhagem petista direta, os ministros Fernando Haddad e Rui Costa são os mais destacados.

É uma geração de idades acima 40 e menos de 60 anos. Nenhum deles é líder popular com o carisma de Lula. Nem com a força de mobilização à direita de Jair Bolsonaro. Ainda não. Nem parecem buscar essa imagem espelhando os atuais nomes hegemônicos na política nacional. A vaidade aflora em vários deles, óbvio. Mas ainda não se percebe de qual tipo. Por enquanto, movem-se para construir uma imagem própria. Os que ficarem seduzidos consigo mesmos serão ultrapassados pelos que conseguirem compreender melhor o seu tempo e projetarem seus reflexos para o futuro da história.

Os próximos anos da política serão interessantes, seja pela força inexorável da renovação do tempo, seja pela exigência de novos características que estão moldando as sociedades contemporâneas, mais exigentes com administradores públicos, imediatistas, mais críticas e menos sacras nas relações com os governantes.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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