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Joe Biden ressuscita Keynes com seu plano de investimentos

Se o democrata não obtiver sucesso, pode colocar em risco o resultado das próximas eleições, o que justifica sua reação rápida e o pacote tamanho jumbo

Presidente dos EUA, Joe Biden: ação de Biden é um decreto abrangente que vai atrás de monopólios corporativos em uma ampla faixa de setores (Tom Brenner/Reuters)

Presidente dos EUA, Joe Biden: ação de Biden é um decreto abrangente que vai atrás de monopólios corporativos em uma ampla faixa de setores (Tom Brenner/Reuters)

AM

André Martins

Publicado em 8 de abril de 2021 às 17h59.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tenta correr atrás do prejuízo e reverter as projeções que indicam a China como líder mundial da economia dentro de alguns anos. Ele quer criar um ciclo virtuoso internamente, com gastos previstos de US$ 2,3 trilhões em investimentos em infraestrutura e tecnologia, gerando uma nova dinâmica em riqueza e emprego para os norte-americanos.

Os ciclos econômicos foram objeto de estudo que projetou o economista liberal Friedrich Hayek no início da carreira na Áustria. Mas o ciclo que Biden incentiva é a vitória da teoria econômica do inglês John Maynard Keynes, o principal adversário de Hayek nas rodas acadêmicas capitalistas do século 20. E o democrata Joe Biden é o grande promotor desse novo debate.

“A coisa mais importante para o governo não é fazer coisas que os indivíduos já estejam fazendo, e fazê-las um pouco melhor ou um pouco pior, mas fazer coisas que, no presente, não são feitas de maneira alguma”, apontou Keynes na década de 1920, quando o desemprego e o baixo crescimento afetavam a atividade produtiva na Inglaterra.

Keynes angariou fama pelo livro “As consequências econômicas da paz”, onde previa uma nova guerra após os duros tratados que os vitoriosos impuseram aos derrotados da Primeira Guerra Mundial, Alemanha e Áustria, terra de Hayek. E para recuperar empregos e produção no pós-conflito, ele recomendava juros baixos, obras públicas e emissão de títulos.

Aos liberais que aconselhavam esperar o passar dos anos para que o mercado encontrasse por si mesmo o ponto de equilíbrio para a relação entre moeda, preços e oferta de empregos, ele criou a sentença letal: “no longo prazo, estaremos todos mortos”.

Biden foi chamado de velho pelo ex-presidente Donald Trump na campanha do ano passado. E seu governo começa por aprofundar antigas práticas que os democratas evocaram durante algumas das gestões mais marcantes do partido na história dos Estados Unidos. Desde o New Deal de Franklin Roosevelt, dos gastos com a corrida ao espaço iniciadas por John Kennedy, ou da abertura dos cofres por Barack Obama para salvar o sistema financeiro após a crise do "subprime" de 2008 – em uma continuação das políticas iniciadas timidamente pelo republicano George W. Bush.

Obama cita Keynes em suas memórias do período de governo. Mas Biden é quem faz a aposta ousada baseada no inglês. E parte para um enfrentamento da China de forma organizada, com discurso político, planejando ações de trilhões que dão respostas estatais a milhões de americanos que acreditaram nos discursos de Trump.

É curioso que o empresário e construtor nada tenha feito além de retórica. Mas essas ainda são poderosas junto ao eleitorado branco do cinturão da ferrugem. Se Biden não obtiver sucesso, Trump e os republicanos podem voltar ao poder dentro de quatro anos. Talvez por isso a reação rápida, com um pacote tamanho jumbo.

E as medidas incluem também aumento de impostos – uma coisa que na história do país já deixou chamuscadas reputações até de Founding Fathers como Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro do país no governo de George Washington. Para pagar as dívidas da guerra de independência, ele impôs impostos aduaneiros e sobre as bebidas destiladas. Ganhou má reputação por anos, apesar de ter estruturado a economia para permitir crescimento de décadas.

Biden agora quer novamente aumentar os impostos dos mais ricos. Já colhe dificuldades até mesmo em seu partido.

Nada será fácil no pacote a ser apreciado pelo Congresso – cujos integrantes são legalmente financiados em suas campanhas por grupos empresariais. E porque os Estados Unidos e o Brasil têm em comum, nestes tempos de distanciamento, uma aproximação quando se trata de radicalismo e polarização na política, com pouca racionalidade e muita superstição influenciando o processo decisório dos líderes políticos. Por isso, se for bom para todos, os republicanos serão contra o pacote.

O caminho de Biden pode levar à servidão, como afirmaria Hayek. Cria dívidas, desequilíbrio fiscal e deixa uma conta salgada no final. Keynes defendia que o crescimento advindo desses gastos tem como resultante impostos que se multiplicam e cobrem os custos no futuro. Teremos que esperar, mas por certo haverá um ciclo futuro em que Hayek será rememorado para arrumar a casa, equilibrar o orçamento e evitar danos como inflação e descontrole de dívidas.

Mas é certo que muitas das grandes empresas atuais, como Google, Apple e Microsoft, só existem porque governos financiaram a criação da internet, o touch screen e várias tecnologias que foram exploradas depois na iniciativa privada – eram aquelas coisas que ninguém estava fazendo e o estado fez. Na verdade, Keynes e Hayek são complementares, desde que usados em doses certas, nos momentos adequados.

* Márcio de Freitas é analista Político da FSB Comunicação

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