Prompt gerada na plataforma LeonardoAI (que tem direitos de uso liberada) a partir de prompt do autor Cauê Madeira (LeonardoAI/Divulgação)
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Publicado em 7 de julho de 2023 às 15h59.
Por Cauê Madeira*
No sobressalto de um gole equivocado, quando a água se revelou cachaça, o ex-cidadão exemplar Joaquim Soares da Cunha trocou seu nome pela alcunha de Quincas Berro D'Água, abandonando família e reputação.
Na narrativa de Jorge Amado, esse anti-herói enfrenta três "mortes" marcantes: renuncia à vida convencional em favor da "vagabundagem”; falece de causas naturais e retorna simbolicamente à vida; em uma noite de celebração que representa a busca pela liberdade.
Utilizando um pastiche, talvez, injusto, escolho esse anti-herói da literatura brasileira para ilustrar a morte do Twitter.
No entanto, devo alertar sobre a comparação, já que as morais dessas histórias são opostas. O romance de 1959 critica a rigidez das convenções sociais e celebra a busca pela verdadeira liberdade, enquanto a “Epopeia do Azulzinho”, capitaneada por Elon Musk, revela que a liberdade, apesar de um valor essencial, invariavelmente resulta em consequências.
O excêntrico bilionário sul-africano construiu sua fama como gênio tech escorado sobretudo por sua maneira de se expressar, tão própria e peculiar, que ao longo dos anos acumulou uma forte capacidade de repercutir de forma viral e, também, gerou muita controvérsia.
Não podemos, no entanto, julgar toda a história do Twitter pelo seu ato final. Mesmo em seu auge, a plataforma foi um espaço dos outliers, dos mais engajadinhos, dos internautas-raíz: aqueles que chegaram aqui quando tudo ainda era mato.
Era um reduto de originalidade e tendências que inclusive abastecia – e abastece, verdade seja dita – todas as outras redes um pouquinho mais lentas.
Passei os últimos dias obcecado pelo Threads, a nova rede social da Meta, feita para claramente emular o Twitter e impulsionada pela base do Instagram. E enquanto fui bombardeado pelos memes, análises e muito frisson, foi quase irresistível não vir aqui falar sobre a morte e a morte da rede social do passarinho.
O algoz do Twitter, afinal, pode não ser o Threads, da mesma forma que não foi o Koo nem o BlueSky. Mas é inegável a força com que a plataforma do Mark Zuckerberg chega – acertadamente surfando na onda de sua plataforma mais bem-sucedida historicamente – acoplando sua base de seguidores e informações de perfil para tornar a transição mais suave.
O Twitter sempre foi um espaço caótico de conversas real-time, foi nele que nasceu o conceito de segunda tela. O Instagram já é muito mais bonitinho e palatável: o papai, a mamãe e a titia estão lá.
Twitter é mais ironia, punchline e treta. Insta é mais mundo dos sonhos, selfies, publis e ursinhos carinhosos.
Mas, o Mark Zuckerberg sabe o que faz. Engoliu o Orkut. Não matou, mas relegou o Snapchat à irrelevância. E agora, no momento de maior fragilidade em termos de credibilidade e reputação, tenta dar seu tiro mortal. A bala de prata. E com ele, arrastará todos os emuladores de microblog que tentaram ocupar esse espaço nos últimos tempos.
O fracasso do Twitter vem como o desfecho trágico de uma história. Enquanto o personagem Quincas Berro D'Água encontrou a morte como libertação, o Twitter se viu aprisionado em sua própria falta de controle e em sua incapacidade de lidar com a negatividade que emana de seus próprios usuários. As consequências foram perceptíveis: a queda no número de usuários ativos, a perda de credibilidade e o declínio de sua influência.
A plataforma se tornou um ambiente tóxico, onde o ódio e a intolerância encontraram terreno fértil para florescer. Os 140 – e depois 280 – caracteres se tornaram facas afiadas, capazes de ferir reputações e disseminar desinformação em velocidade assustadora.
“Ah, mas não são todos assim”. Não são. Mas é inegável o quanto a falta de filtro de seu novo dono e dos intermináveis debates dos últimos anos levaram a uma situação praticamente insustentável.
No caso de Musk, sua conduta no Twitter levanta questionamentos sobre a linha tênue entre a personalidade excêntrica e a responsabilidade social global.
É preciso considerar que, o comportamento impulsivo e controverso de uma figura de destaque, pode ter implicações negativas não apenas em sua própria reputação, mas também na confiança depositada nas plataformas em que atuam.
O declínio do Twitter serve como um lembrete de que as redes sociais são espaços em constante evolução, que precisam se adaptar e enfrentar os desafios impostos pela disseminação de informações e pelo comportamento dos usuários influentes e pela massa. É fundamental que essas plataformas estabeleçam diretrizes claras para o uso responsável e ético, garantindo a integridade das conversas e a confiabilidade das informações compartilhadas.
Talvez seja necessário passar por quedas e fracassos – e Mark Zuckerberg tem uma boa coleção delas – para percebermos nossas limitações e encontrar novos caminhos. Assim como Quincas Berro D'Água, o Twitter teve sua morte simbólica, mas isso não significa o fim de tudo. A história das redes sociais está sempre em evolução, e é importante aprendermos com os erros do passado para construir um futuro – ainda que efêmero, ainda que volátil – mais promissor.
E no fim, o herdeiro do Twitter vai ser o Threads mesmo? Isso não posso afirmar com categoria, mas sem dúvida é o personagem mais forte que apareceu nessa disputa até agora.
Primeiro, porque é muito fácil aderir à nova rede. Se você já tem um Instagram, é praticamente apertar um botão e PLIM, você tem sua foto de perfil, seu nome de usuário e a mesma base de seguidos e seguidores.
E isso já o torna muito mais forte que o Koo, o BlueSky, o Mastodon e outros que surgiram nos últimos tempos.
Depois, o Twitter já não está em seus melhores momentos. E por mais que existam muitas viúvas torcendo o nariz para esse novo hype – e sabemos que os usuários do Threads estão migrando do Instagram e não tanto do próprio Twitter – em breve o buzz se autorregula.
Assim, pode ser que a morte do Twitter fique apenas no simbolismo, e ele até encontre um espaço como nicho do nicho, em uma sobrevida inspirada no Tumblr, por exemplo.Mas o sonho de Elon Musk em dar uma guinada e tornar a plataforma mais relevante do que já foi um dia: esse, sem dúvidas, morreu.
O que nos resta é viver relembrando as boas memórias do pássaro azul, esquecendo as tropeçadas de seu momento derradeiro, deixando o herdeiro sul-africano com os carros elétricos, empresas chatas e voltar as atenções, o hate e as críticas ao nosso malvado favorito de sempre: Mark Zuckerberg.
“Quando um homem morre, ele se reintegra em sua respeitabilidade a mais autêntica, mesmo tendo cometido loucuras em sua vida. A morte apaga, com sua mão de ausência, as manchas do passado e a memória do morto fulge como diamante.“
— Jorge Amado, livro A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água
*Cauê Madeira é sócio-diretor na FSB Holding
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