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Geekonomy: A maldição de vivermos como nossos pais

Choque de geração é divertido quando não levado a sério, mas rotular padrões de comportamento baseado no ano de nascimento de um grupo é estúpido

 (Toco Williams/Divulgação)

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Publicado em 29 de junho de 2021 às 11h38.

Por Cauê Madeira*

Ninguém aguenta mais ouvir falar do tal do cringe. Para os velhinhos como eu, dá gatilho. Para os jovens, a piada perdeu a graça a partir do momento que nós – objetos do chiste – entendemos o que significa. Enquanto, nos últimos dez ou mais dias, pudemos ver uma fonte inesgotável de memes, listas e reflexões interessantes, o boom caça-clique tomou praticamente todos os espaços digitais e mesmo impressos, saturando o assunto de um jeito que só millennials bem cringe raiz seriam capazes de fazer.

Então, de cara, eu sei que é meio arriscado e old news ter a pachorra de vir falar sobre isso de novo aqui hoje. Afinal, o que tem de novidade pra se falar sobre isso que ainda não tenha sido dito? Bem, cá estou, aceitando o desafio.

Para além de todo o estranhamento da palavra "cringe" em si e toda a sofrência dos tiozões (como eu) que descobriram que não são mais jovens, o que eu não consigo parar de pensar é em como parece estúpido basear um suposto recorte comportamental baseado unicamente em data de nascimento.

É como se isso pudesse determinar algum padrão de conduta minimamente confiável de qualquer grupo. Até porque os "millennials" nascidos aqui – ou nos EUA, ou no Paquistão – são completamente diferentes. Em primeiro lugar, não dá pra categorizar comportamento por recorte etário com um mínimo de seriedade sem considerar na equação dados sobre acesso a serviços básicos, como educação e saneamento básico. Ou padrões de renda. Ou particularidades regionais. E, claro, interesses!

Até poucos anos atrás pipocavam centenas de artigos toda semana decodificando a essência da geração Y, sempre com a ânsia de parametrizar o comportamento dos (à época) jovens. Quantas vezes não ouvimos que millennials são egoístas, autocentrados e obcecados? Ou idealistas. Ou agitados e ansiosos.

Para começo de conversa, os nomes dos supostos recortes geracionais – tipo baby boomer – remetem diretamente a uma cultura puramente americana. E mesmo lá, é pura bullshitagem. Um estudo da Universidade de Oregon publicado em 2017 revelou o resultado de um levantamento de comportamento de quase 500 mil jovens entre 1976 e 2006. O que descobriram é que há "pouca evidência de mudança significativa no egoísmo, autodesenvolvimento, individualismo, autoestima, desesperança, felicidade, satisfação com a vida, solidão, comportamento antissocial, tempo gasto trabalhando ou assistindo televisão, atividade política, a importância da religião e a importância do status social nos últimos 30 anos".

Era até possível dizer que os jovens de hoje têm menos medo dos problemas sociais do que as gerações anteriores, e que também podem ser mais cínicos e menos confiantes. Além disso, os jovens de hoje têm expectativas educacionais mais altas do que seus predecessores. No entanto, uma inspeção mais minuciosa demonstra pouquíssimas evidências de que seria possível generalizar esse comportamento dentro de um recorte etário e geracional.

Enquanto os versos de Belchior – imortalizados na voz de Elis Regina – sobre como ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais retumbam sobre nossas cabeças mais como sentença ou maldição, vivemos o choque de geração como se pertencêssemos todos à mesma torcida organizada. Não à toa, adoramos tudo isso.

Millennial que (em tese) sou, não deixo de revirar os olhos toda vez que lembro de umas bobagens compartilhadas pela geração X ali naquela rede social azulzinha-escuro que ninguém mais vê, só eles. Vira e mexe tem uns tiozões dizendo que nossa geração mimizenta não sabe o que é andar no porta-mala do Fusca da família sem cinto de segurança. Ou o que é apanhar de cinta. Ou cantar o hino nacional na escola.

Eu não sei mesmo e não quero saber. E sempre achei bem cringe quando via umas bobagens desse tipo circularem. E olha que eu nem sabia o que era cringe. Agora eu acho que sei. Nós passamos anos buscando encontrar pontos de diferenciação das gerações X e baby boomers. E agora estamos ofendidíssimos com o exposed promovido pela geração Z sobre como nos tornamos a cada dia mais cafonas e, na visão deles, obsoletos.

Moral da história, o choque de gerações sempre vai existir. E podemos rir com isso. O que não muda é essa nossa eterna vontade de pertencer a algo. Por isso, levantar sua bandeira geracional acaba fazendo sentido em um planeta que sempre polariza qualquer coisa.

E isso tem tudo a ver com a cultura geek, que é literalmente traduzida como cultura do aficionado. Mais do que categorizar entusiastas de determinados temas, ela une pessoas em torno de interesses comuns. No fim, somos todos geeks por alguma coisa.

Tradicionalmente chamamos de geeks aqueles que gostam de algo que era, até pouco tempo, subcultura e nicho: animações e quadrinhos japoneses; ficção científica; videogames, entre tantos outros. No entanto, conforme muitos desses tópicos se tornaram mainstream, eu ouso dizer que não há uma grande diferença comportamental entre você que faz cosplay de Final Fantasy e sua tia geek do ponto cruz que tem um grupo de amigas para discutir o arremate perfeito.

Em um artigo publicado em 2015 na revista científica PLOS ONE a psicóloga e pesquisadora da Georgia University Jessica McCain, ao lado de outros especialistas, se propôs a desenvolver o que chamaram de Escala da Engajamento da Cultura Geek (EECG) para qualificar o envolvimento das pessoas aficionadas e avaliar suas relações com variáveis teoricamente relevantes, tais como personalidade e diferenças individuais.

Esses estudos apresentam evidências de que os indivíduos podem se envolver na cultura geek a fim de atender a inúmeras necessidades específicas, que vão desde a busca por expressão criativa, passando às necessidades de pertencimento. Encontrar seu grupo de interesse em comum colabora para a abertura à experiência, ajuda a caminhar rumo a uma conduta mais extrovertida, combate a depressão e traz uma série de pontos subjetivos ligados ao bem-estar.

Conviver e encontrar sua "tribo" (olha o termo oitentista aí) pode fazer muito bem, mesmo que às vezes, ou muitas vezes, a gente olhe para o grupo do lado e crie algum tipo de antagonismo. Claro, é nessa conduta de comunidade, quando gestada ao redor de uma premissa tóxica e doentia, que reside o início da cultura de ódio, mas enquanto a animosidade for apenas para gerar memes e rir um pouco, está valendo.

*Cauê Madeira é sócio-diretor de Growth na Loures Consultoria

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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