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Everardo Maciel: “É melhor esquecer” a Reforma do Imposto de Renda

O ex-secretário de Receita afirma que não há como avaliar o tamanho do impacto financeiro do projeto, pois último dado pela Receita é de 2013

Em 1995, a Receita também estabeleceu uma alíquota para tributar dividendos e “foi um desastre” (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Em 1995, a Receita também estabeleceu uma alíquota para tributar dividendos e “foi um desastre” (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Publicado em 14 de setembro de 2021 às 11h56.

Secretário de Receita Federal durante os oito anos de mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Everardo Maciel é cético em relação a eficácia, necessidade e resultados da proposta aprovada pelos deputados que altera as regras do Imposto de Renda. “Não há como avaliar o tamanho do impacto financeiro do projeto simplesmente porque o último dado disponibilizado pela Receita é de 2013”, declara em entrevista à Bússola.

Para Maciel, as projeções também são impossíveis, porque os contribuintes se movem a cada mudança para burlar as novas regras.

“O texto dos deputados tributa dividendos. Ora, quem tem dividendos acumulados distribui antes, quem tem caixa antecipa até dividendos futuros”, afirma o ex-secretário de Receita Federal.

Em 1995, a Receita também estabeleceu uma alíquota para tributar dividendos e “foi um desastre” porque as empresas continuaram a pagar os dividendos disfarçados como lucros.

O fim da incidência da tributação, adotada em 1996, aumentou a arrecadação do IRPJ em 192% entre aquele ano e 2002, o último de Everardo Maciel no comando da Receita.

“Brasileiro gosta é de tributo na fonte. Tudo fora disso, vira litígio judicial. Os advogados tributaristas vão adorar, vão ganhar muito. Por que mudar um sistema que funciona? A tributação brasileira é considerada a mais simples, moderna e eficiente do mundo. A dos Estados Unidos, para se ter uma ideia, é composta por um manual de 80 páginas e mesmo assim os 25 mais ricos do mundo não pagam impostos e das 500 maiores empresas listadas pela Fortune, 91 não despendem nenhum centavo para tributos”, diz Everardo.

A ampliação da faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais para o IR das pessoas físicas é um ganho pouco expressivo para o contribuinte.

“Não dá para comprar um saco de feijão por mês. Embora seja este o único ponto do projeto que tem valor. Governo e Congresso perderam a chance de abrir um espaço maior entre as alíquotas para taxar, com o índice mais alto de 27%, quem efetivamente ganha mais. O texto aprovado, contudo, estabelece que ganhos acima de R$ 5.300,01 ao mês serão taxados pela alíquota maior. Que contribuinte pediu isso ao Paulo Guedes? Nem governo nem Câmara se preocuparam em cobrar IR de funcionários e autoridades pelos ganhos adicionais com o auxílio moradia, moradia funcional, carros com motoristas”, declara.

Apesar da redução do IRPJ para 15% em 2022 e 12,5% em 2023, a taxação de 15% dos dividendos anula esse “alívio”. Além de criar mais uma fonte de processo judicial por bitributação, segundo Everardo. Em vez de investir na própria companhia, o empresário pode aplicar recursos em outras, no mercado financeiro, comprar bens. Podem deixar de calcular o IR com base no lucro presumido — mais simples, blindado a recursos judiciais e seguro — e optar pelo lucro real, que abre um leque de brechas para sonegar e para litígio judicial.

Com a tributação de dividendos, a alíquota efetiva do IR com base no lucro presumido ficará maior do que a do lucro real. Afetará, entre outros, setores de prestação de serviços médicos.

Em um momento de crise sanitária, vão aumentar a tributação de serviços médicos. É puro nonsense. E levar Estados e municípios a perder receita. Não por acaso estão se mobilizando para mudar o texto no Senado”, diz Maciel.

O ex-secretário da Receita Federal afirma que não justifica pôr fim aos incentivos tributários do setor de medicamentos, medida que por si só, se mantida pelo Senado, pode elevar de uma única vez em 12% os preços dos remédios.

Assim como a decisão de aplicar uma alíquota adicional de 1,5% nas operações do setor mineral, vai atingir as exportações, afetar a balança comercial e produzir uma cadeia de ações na Justiça. “Apenas os advogados vão adorar a manutenção do artigo que prevê a cobrança do imposto dos fundos de investimento fechados no ato da transação e não mais no saque”, afirma.

“No Congresso, tudo é possível, inclusive nada”, diz mencionando frase do ex-vice-presidente e ex-senador Marco Maciel, para evitar prognósticos sobre o futuro de um projeto tão polêmico no Senado. “Esquece isso na gaveta. Finge que não chegou.”

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