ESG (PM Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de maio de 2021 às 08h30.
Por Renato Krausz
O avião do ESG mal decolou e já está levando pedrada. E quem atira não é nenhum desavisado que ignora o assunto, mas justamente o ex-diretor de Investimentos Sustentáveis da BlackRock, a maior gestora de capitais do mundo e principal propulsora desse movimento no planeta.
Tariq Fancy foi contratado em janeiro de 2018 por Larry Fink, o CEO da BlackRock, para fazer exatamente o que preconiza o ESG, ou seja, incorporar os critérios ambientais, sociais e de governança nos US$ 8,7 trilhões sob gestão da empresa. Fez isso e não encontrou valor nenhum nos dados.
Saiu de lá em setembro de 2019 e começou a atirar há dois meses, primeiro com um artigo no USA Today e depois com uma série de entrevistas, em que lança petardos como este: “O investimento sustentável se resume a pouco mais do que marketing, uma invenção de relações públicas e promessas falsas da comunidade de investidores”. E este: “O ESG cria um placebo social gigante, em que pensamos que estamos progredindo, embora não estejamos”. E mais este: “Em essência, Wall Street está dando uma lavagem verde ao sistema econômico e, neste processo, criando uma distração mortal”.
Forte, não? A tese de Fancy é que somente a regulamentação governamental pode impedir o desastre das mudanças climáticas. Ele até contemporiza um pouco, dizendo que parte do movimento ESG, incluindo várias ferramentas e padrões, são passos na direção certa, mas ressalta que eles não estão sendo usados corretamente. “Os problemas sistêmicos exigem soluções sistêmicas lideradas por líderes eleitos democraticamente”, conclui.
Fancy não é um lunático. Pelo contrário, vejo o ceticismo dele refletido em muitas rodas de conversa espalhadas por aí. Mas penso que, num momento crucial de engajamento de empresas mundo afora para fazer algo diferente, ele acabou jogando o bebê fora com a água do banho. Mas eu sou apenas um desavisado que ignora o assunto nesta história toda. Então conversei com dois grandes especialistas brasileiros para perguntar a opinião deles sobre a controvérsia causada por Fancy.
Para Ricardo Abramovay, professor sênior do Programa de Ciência Ambiental do IEE/USP, o ESG é um modelo de proteção do mercado financeiro, e quem tem a expectativa de que ele vai resolver os problemas do mundo e permitir o crescimento sustentável certamente vai se frustrar. “Por mais importante que seja o setor privado, ele não é capaz de preencher todas as necessidades da sociedade. É preciso que o Estado atue para reformular a relação da sociedade com a natureza e combater a desigualdade”, afirma.
“Daí a dizer que é tudo greenwashing e que as orientações do mercado financeiro não são importantes, há um grande engano. A BlackRock foi importantíssima para compelir os três maiores bancos privados brasileiros a lançar um programa para a proteção da Amazônia. Somos gratos a ela por isso. É ótimo que o mercado financeiro continue a pressionar”, disse Abramovay, autor de Amazônia: Por uma Economia do Conhecimento da Natureza.
Para a professora Monica Kruglianskas, da FIA Business School, a crítica de Fancy pode ser considerada radical se confundirmos o ESG com todo o espectro da sustentabilidade. “Não dá para dizer que isso é distração”, afirma ela. “Mas ele traz uma reflexão importante. As empresas são rule-takers, e não rule-makers. É difícil e improvável que os negócios mudem as regras do jogo enquanto estão jogando”, diz.
Na opinião de Monica, o setor financeiro, apesar do seu tamanho, poder e influência, esteve bastante ausente no debate sobre a crise climática nos últimos tempos – por exemplo, no Acordo de Paris e nas COPs – e ainda não tem acordos definidos para objetivos globais.
“Há menos de cinco anos, a ideia de clima como externalidade a ser incluída na contabilidade de um investimento nem era considerada. São as movimentações de governos, especialmente da Comunidade Europeia, do Reino Unido e agora também dos Estados Unidos, por meio da criação de leis, e não autorregulamentações e guidelines, que estão mudando este cenário”, diz ela, que é doutora em Sustentabilidade e Reputação Corporativa pela Universidade de Barcelona e foi diretora de desenvolvimento sustentável da Danone na Espanha.
“Os desafios da crise climática e social são, efetivamente, questões sistêmicas e precisam da inclusão de todos os atores para regenerar o nosso sistema socioeconômico. Não basta inovar processos e produtos, temos que criar novos e sustentáveis modelos de negócios”, afirma Monica.
E conclui: “O que todo investidor deveria se perguntar é como um determinado investimento ESG está efetivamente fazendo a diferença na vida das pessoas. Seja com melhores condições de trabalho, seja reduzindo violações dos direitos humanos ou emissões de CO₂, ou melhorando a gestão dos recursos que precisamos para sobreviver neste planeta. Ou ainda, se está realmente ajudando a solucionar desafios na cadeia global de suprimentos que sustentam o nosso estilo de vida insustentável. Sob estas lentes, a jornada ESG apenas começou.”
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