Agenda ESG tem sido alvo de um movimento que a acusa de inconsistência (Thithawat_s/Getty Images)
Bússola
Publicado em 26 de julho de 2022 às 09h59.
Por Danilo Maeda
Nascido há 110 anos, Nelson Rodrigues criou a expressão usada para criticar, em uma crônica antológica, a “monstruosa e alienada objetividade” de quem busca compreender o mundo apenas pelas lentes frias dos fatos concretos, sem espaço para emoções, nuances e sentimentos. Sem distinguir entre fatos triviais e históricos, sem perceber que a história se faz agora, que alguns fatos são marcos fundamentais e merecem ser retratados como tal.
Pego carona com um dos cronistas que melhor retratou o Brasil para acrescentar que mesmo naquilo a que se propõe, a objetividade absoluta é falha. Primeiro por ser uma abstração impossível de se atingir. Depois por considerar apenas relações diretas de causa e efeito, que possam ser comprovadas e medidas no detalhe. Em uma realidade na qual elementos interagem de forma caótica e complexa gerando resultados imprevisíveis, supor que tudo possa ser explicado (e previsto) por indicadores quantificáveis é insensatez.
O que isso tem a ver com sustentabilidade? Tudo! Após sair do nicho e ganhar destaque como um tema mainstream do mundo corporativo, a agenda ESG tem sido alvo de um movimento que a acusa de ineficiência, confusão e inconsistência. A lógica de tais questionamentos parte de uma premissa segundo a qual “se não é possível demonstrar diretamente o valor financeiro adicionado ou o prejuízo evitado por determinada estratégia, esta não tem qualquer valor”.
Note que essa é uma falsa objetividade. Ainda pior do que aquela criticada pelo dramaturgo, que se referia à maneira fria pela qual acontecimentos históricos eram relatados nos jornais. A objetividade pretensiosa deste caso desconsidera que a realidade é mais complexa que os modelos analíticos e por isso leva a conclusões e recomendações contraproducentes e até perigosas.
Defendem deixar para trás aspectos do desenvolvimento sustentável que são mais difíceis de relacionar diretamente com o resultado financeiro ou com o combate às mudanças climáticas, eleita por tal movimento como a única causa relevante desta geração. Como escrevi recentemente, ignorar as partes mais difíceis do problema não faz com que elas desapareçam. Essa abordagem preguiçosa, que busca respostas simplistas para todo e qualquer desafio, independente de seu caráter, pode gerar efeitos catastróficos.
De fato, a emergência climática é relevante e urgente, mas está longe de ser o único desafio dos negócios em termos de sustentabilidade. Ainda precisamos endereçar questões fundamentais como combate à fome, à miséria e às injustiças, promoção e defesa dos direitos humanos, desenvolvimento social e inclusão econômica. A relação desses aspectos com o mundo dos negócios (e com a capacidade de geração de lucros no longo prazo) pode ser difícil de medir “objetivamente”. Mas é clara e fácil de se notar. Não existem empresas saudáveis em sociedades doentes. Não existe desenvolvimento com fome. Não existe progresso quando 55% das pessoas convivem com insegurança alimentar.
Quero sublinhar que meu problema não está com a busca por indicadores objetivos. Continuo defendendo que metas de sustentabilidade devem ser aperfeiçoadas e integradas aos mecanismos de remuneração variável. O que incomoda é a suposição de que problemas complexos e agendas integradas podem ser tratadas como partes independentes. Para encerrar, lembro que isso vale também para a solução. Por exemplo, estima-se que restaurar ecossistemas possa gerar até 2,5 milhões de empregos no Brasil até 2030.
É preciso pensar e sentir o futuro que queremos. Está tudo interligado.
*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do Grupo FSB
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