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ESG: Orelhas limpas e mundo sujo

Será que agimos da mesma forma que dizemos aos outros sobre nossos hábitos?

Quanto você concordaria pagar a mais por produtos e serviços sustentáveis? (Alistair Berg/Getty Images)

Quanto você concordaria pagar a mais por produtos e serviços sustentáveis? (Alistair Berg/Getty Images)

Renato Krausz
Renato Krausz

Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola

Publicado em 26 de janeiro de 2023 às 12h43.

Última atualização em 6 de novembro de 2023 às 17h48.

Você toparia pagar um pouco a mais por produtos e serviços menos hostis ao meio ambiente? Até quanto a mais? Aconteceu comigo na terça-feira. Fui à farmácia aqui perto comprar cotone..., ops, hastes flexíveis, e estava decidido a escolher as do futuro, que, além de flexíveis, são feitas de papel. Só pelo fato de existirem, estas hastes já remetem as tradicionais de plástico, vendidas na caixa azul, a um passado turvo e pernicioso.

A caixa azul de determinada marca com 75 unidades era oferecida a R$ 3,59. Da mesma marca, com a mesma quantidade, a caixa na cor de papelão do bem, com desenhos estilizados de árvores e letras garrafais anunciando que se tratavam de hastes “Ecológicas”, estava por R$ 9,19. NOVE REAIS E DEZENOVE CENTAVOS!

Caramba. Eu juro que caminhei até a farmácia com o propósito de pagar 20% ou até 30% a mais pelo produto sustentável, mas o que dizer de 156%? Não é pelo valor de R$ 10 arredondados, mas pela desproporção da coisa. Sem titubear, peguei as de plástico, paguei no caixa e voltei para casa me sentindo um sujeito cujo entorno de suas próprias orelhas limpas é um mundo imundo. Fazer o quê?

Com o tanque do carro acontece a mesma coisa. Nisso até que consegui evoluir mais. Desde 2011 reduzimos a frota aqui de casa à metade e compramos bicicletas. Já há um bom tempo paramos de fazer aquelas contas enfadonhas e só abastecemos com etanol o único carro que restou. Mas somos exceções.

O Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) acaba de lançar um dashboard de descarbonização na matriz de combustíveis leves. E o primeiro relatório já traz uma notícia aborrecida.

As emissões de GEE (gases de efeito estufa) chegaram a 27,30 milhões de toneladas de CO2eq no terceiro trimestre do ano passado, um aumento de quase 2 milhões de toneladas em relação ao mesmo período de 2021. Aconteceu assim porque o volume geral subiu ao mesmo tempo que a competitividade do etanol caiu, elevando a participação da gasolina na matriz.

Então disso tiramos duas conclusões: 1) o ser humano ama o próprio bolso mais do que a si mesmo; e 2) é urgente que o novo governo restabeleça a cobrança de PIS/Cofins e Cide sobre a gasolina.

Antes que o pessoal da FGV proteste, vale dizer que também havia ali no relatório uma boa notícia. Aí vai ela: as emissões de GEE evitadas pela presença de bioenergia melhoraram em 3,46%, no mesmo trimestre. Trocando em graúdos, 9,06 milhões de toneladas de CO2eq deixaram de ser lançadas na atmosfera, resultado que demandaria o plantio de 22,10 mil hectares de árvores nativas.

Voltando aos hábitos de consumo, temos uma contradição em curso. Lembro de pesquisas, sobre muitas das quais já escrevi neste espaço, que apontam que a maioria absoluta das pessoas pagaria mais caro por produtos verdes ou que venham de empresas realmente comprometidas com o ESG. Não que haja erro nas pesquisas. Acontece que muitas vezes a gente responde imaginando quem a gente gostaria de ser, e não quem a gente realmente é.

O mercado também precisa ajudar. Cobrar os tufos a mais por um produto sustentável é quase um convite para a gente preservar o bolso e acenar para o planeta que, dentro de um furgão a gasolina, parece ir sem a menor cerimônia para onde estamos indo — que não é um lugar bom.

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