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ESG: Na Economist, a voz do mercado e a preguiça com problemas difíceis

Editorial da revista inglesa peca ao defender que investimentos com critérios ESG deveriam focar apenas nas emissões de gases causadores do efeito estufa

Publicação inglesa influencia decisões e tendências. (Holloway/Getty Images)

Publicação inglesa influencia decisões e tendências. (Holloway/Getty Images)

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Julia Storch

Publicado em 21 de julho de 2022 às 18h42.

A revista inglesa The Economist é uma das mais tradicionais publicações da imprensa de negócios e economia. Uma plataforma que dá voz ao “mercado”. Via de regra, o que se publica ali influencia decisões e define tendências. Por isso, é perigoso o editorial publicado hoje (21), em que a revista defende que investimentos com critérios ESG deveriam focar apenas nas emissões de gases causadores do efeito estufa.

Os argumentos utilizados para definir o problema são aceitáveis e verdadeiros: a agenda reúne temas muito variados e complexos, com eventuais trade-offs entre si, o que impede a criação de “guias coerentes” para investidores e empresas; em muitos casos é difícil demonstrar diretamente a relação entre desempenho financeiro e boas práticas; e há muita controvérsia em relação ao que pode ou não ser considerado como bons critérios de avaliação em temas ambientais, sociais e de governança – as ferramentas de avaliação atual são muito distintas entre si e por vezes manipuláveis, por medirem indicadores que não refletem exatamente o resultado que se deseja produzir.

Se o diagnóstico é correto, o problema está na conclusão e proposta feita a partir daí. A solução proposta para um desafio com tantas nuances é simplesmente focar em um tema (mudanças climáticas) que, apesar de relevante e urgente, está longe de ser o único desafio dos negócios em termos de sustentabilidade. Como escreveu Henry Louis Mencken no século passado, “para cada problema complexo existe uma solução simples, elegante e completamente errada”.

Ou seja: se as ferramentas atuais do mercado não conseguem lidar com as diversas complexidades, a resposta deve ser a melhoria ou criação de mecanismos que permitam cumprir tal desafio com mais eficiência e eficácia. Ignorar as partes mais difíceis do problema não faz com que elas desapareçam. Essa abordagem preguiçosa, que busca respostas simplistas para todo e qualquer desafio, independente de seu caráter, é uma característica do tal mercado que precisa ser urgentemente desconstruída.

O erro em questão fica mais evidente quando lembramos da razão pela qual a sigla ESG ganhou tanto espaço no mercado. Tudo começa com a agenda de desenvolvimento sustentável, que por definição busca suprir as necessidades atuais da sociedade sem comprometer a capacidade das próximas gerações atenderem às suas próprias necessidades. O conceito compreende que recursos naturais (e o clima é apenas um deles) são finitos e precisam ser preservados, mas que isso deve ser conciliado com promoção e defesa dos direitos humanos, combate às injustiças, desenvolvimento social e inclusão econômica.

Há décadas, essa agenda reconhece que tais temas estão interligados e que precisam ser endereçados de tal maneira, considerando inclusive eventuais efeitos colaterais negativos de estratégias voltadas para algum desses aspectos. Ela também destaca que a responsabilidade por endereçar tais questões não se limita aos Estados, mas se estende também à sociedade civil e ao setor privado, que em determinada medida respondeu a essa convocatória com a criação de diversas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa.

Ao longo do tempo, investidores perceberam uma correlação entre tais práticas e resultado de longo prazo, pois empresas preocupadas com seus impactos socioambientais, engajamento de stakeholders e mecanismos de gestão tendem a perenizar sua atuação, ao se proteger de riscos relacionados às externalidades geradas pelo negócio e sua cadeia de valor.

Ou seja: a agenda ESG é um meio pelo qual o setor privado se engaja em uma causa maior, que é o desenvolvimento sustentável. A complexidade identificada pela revista como um problema é na verdade uma característica natural que reflete o conjunto de desafios que compõem esta agenda e que se apresentam no mundo real. Ignorar a complexidade não torna as coisas mais simples, apenas induz a respostas incompletas.

*Danilo Maeda é head da Beon, consultoria de ESG do Grupo FSB

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