Amazônia vive numa corda bamba entre o mercúrio e a motosserra (AMBIPAR/Divulgação)
Bússola
Publicado em 9 de junho de 2022 às 09h05.
Pode parecer ironia do destino que, enquanto olhos e ouvidos do planeta todo se voltam perplexos para a Amazônia, que vive numa corda bamba entre o mercúrio e a motosserra, uma das mais modernas legislações ambientais do mundo, o nosso Código Florestal, acaba de completar 10 anos.
Deveríamos estar em festa, celebrando a preservação e o triunfo da biodiversidade, mas aqui achamo-nos tentando driblar tantas ameaças aos nossos biomas – e neste exato momento fazendo buscas na maior floresta do mundo para encontrar no meio dela um correspondente estrangeiro e um indigenista brasileiro que desapareceram ao realizar seu trabalho de denúncia.
E as ameaças não vêm só do garimpo ilegal ou de outras atividades responsáveis pelos recentes recordes de desmatamento. Muitas delas tramitam no Congresso Nacional, em forma de projeto de lei.
São propostas que pretendem relativizar o Código antes mesmo que ele esteja integralmente implementado – desnecessário dizer que a coisa caminha a passos lentos. Entre as iniciativas, algumas tentam mudar determinado artigo da lei, enquanto outras chutam o balde e propõem numa tacada pôr fim a instrumentos como a Reserva Legal e as APP (Áreas de Preservação Permanente).
Diante disso, o Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) lançou no último 25 de maio o Barômetro do Código Florestal no Legislativo, uma interessante ferramenta para medir a pressão que vem de Brasília por alterações na lei.
Todos os PLs estão lá, com todos os detalhes, a autoria, a mudança que propõe, o último trâmite etc. Por exemplo, está lá o PL 337/2022, que preconiza excluir o Mato Grosso da Amazônia Legal. Ou o 4508/2016, que libera o pastoreio em áreas de Reserva Legal. Enfim, veja com seus próprios olhos aqui. Há projetos com pressão máxima que podem ser aprovados a qualquer momento.
No mesmo dia em que lançou o Barômetro, o CPI/PUC-Rio inaugurou também o Monitor da Implementação do Código Florestal, uma plataforma que reúne tudo o que já foi e o que está sendo produzido por pesquisadores da organização desde a promulgação da lei, em 2012.
E é muita coisa. É possível não apenas saber que estados brasileiros estão mais avançados para fazer valer o Código e quais as principais dificuldades encontradas, mas também navegar numa profusão de dados, análises e mapas e encontrar informações úteis que permitem até mesmo a leigos saber, por exemplo, por que é tão importante, desculpem a enxurrada de siglas, validar o CAR e partir pro PRA, se quisermos viver num lugar não tão hostil e menos sujeito à impiedade das mudanças climáticas. Calma, explico.
Instituídos pelo Código, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) é um banco de dados obrigatório para todas áreas rurais do Brasil, e o PRA (Programa de Regularização Ambiental) é o mecanismo pelo qual o produtor rural pode regularizar sua propriedade do ponto de vista ambiental.
Depois da inscrição, o cadastro precisa ser validado e aí então é possível, por meio da assinatura de um termo de compromisso com o produtor, partir para a regularização, que muitas vezes pressupõe a restauração de áreas que não poderiam ter sido degradadas.
Dados do Monitor indicam que a etapa de inscrição está muito avançada em todos os estados, e a validação tem progredido na maioria, mas apenas um diminuto grupo se destaca, liderado pelo Espírito Santo, com 72% dos cadastros em ordem. Um CAR pode precisar de mais de dez análises até ser validado.
O desafio maior está na etapa seguinte, de regularização da propriedade. Só uma pequena parte dos cadastros validados já seguiu para assinatura do termo de compromisso para a recuperação de passivos em APP e Reserva Legal. De acordo com o Monitor, considerando todas as etapas da regularização ambiental, Acre, Mato Grosso, Pará e Rondônia são os estados mais avançados na implementação do Código Florestal.
“O Código Florestal tem vários elementos que fazem com que ele possa ser, por si só, um indutor de crescimento econômico verde, permitindo que o Brasil participe com maior protagonismo de mecanismos internacionais, como o mercado de carbono e o uso de soluções baseadas na natureza, além da bioeconomia”, afirma Joana Chivari, diretora associada do CPI. E complementa: “O fato de avançarmos lentamente nessa agenda nos coloca artificialmente distantes de uma discussão que deveria ser central aqui. É um desperdício de oportunidade”.
Fico imaginando por que custa tanto a determinados grupos do país entender de uma vez por todas que na floresta em pé reside nossa maior riqueza, em todos os sentidos, econômico, ambiental e, por que não, moral. Muitos produtores já se deram conta de que suas propriedades darão muito mais retorno financeiro se estiverem com a Reserva Legal e as APP reluzindo de tão verdes.
Fato é que entendimento tem se tornado uma coisa rara no país. É penoso compreender também como um Congresso que foi capaz de aprovar uma lei que resvala no estado da arte da aliança entre desenvolvimento econômico e preservação consegue também produzir libelos do absurdo ardilosamente embalados em projetos que pretendem fazer retroceder, um a um, os nossos avanços.
*Renato Krausz é sócio-diretor da Loures Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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