“Subestimar os problemas não ajuda, tampouco devemos esperar mudanças drásticas no curto prazo” (SvetaZi/Getty Images)
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Publicado em 23 de novembro de 2023 às 08h00.
Por Marcelo de Sá *
A disparidade na educação entre meninos e meninas, aliada à opção pela maternidade, que muitas vezes influencia as decisões de carreira da mulher cedo na vida, contribuem de modo determinante para a perpetuação da desigualdade salarial entre os gêneros.
Quando vamos nos conscientizar de que isso é ruim para a economia?
Contemplando este retrato cultural, o Prêmio Nobel de Economia em 2023 foi concedido à historiadora econômica americana, Claudia Goldin, por seu trabalho de análise sobre emprego e remuneração das mulheres. Ela mesma integra a estatística: é apenas a terceira vez que a premiação foi para uma pesquisadora desde sua criação em 1969.
Baseado em mais de 200 anos de dados nos EUA, o estudo revelou que a participação das mulheres no mercado de trabalho teve um padrão em forma de "U". Inicialmente, elas atuavam em propriedades familiares agrárias. Com a transição para uma sociedade industrial no século XIX, a participação das casadas diminuiu. Porém, no século passado, o setor de serviços e o aumento da educação das mulheres as trouxeram de volta ao mercado. O acesso à pílula acelerou o ingresso, mas a maternidade ainda contribui para as disparidades de gênero no trabalho.
Atualmente, trabalhando como empreendedoras e colaboradoras presentes em diferentes setores da economia brasileira, como saúde, tecnologia e indústrias, elas representam aproximadamente 50% da força de trabalho nacional. E apesar de as estatísticas em relação à participação feminina terem melhorado nos últimos cinco anos, aqui as mulheres ocupam apenas 29% dos cargos de liderança.
Ser mulher, do ponto de vista estatístico, implica enfrentar desafios, como ter menos oportunidades de ascensão profissional e receber salários inferiores aos de colegas homens na mesma função.
A desigualdade de gênero é um problema estrutural que nenhum país conseguiu resolver integralmente. As meninas têm acesso à escola mais limitado em comparação aos meninos; obstáculos para receber atendimento de saúde de qualidade; e barreiras substanciais para ingressar na arena política.
Em razão das mudanças sociais, a temática de gênero tem atraído a atenção global. Desde 2006, o Fórum Econômico Mundial promove encontros anuais em Davos, na Suíça, onde líderes e empresários se reúnem para desenvolver o Global Gender Gap Report, que analisa a participação econômica e o empoderamento político das mulheres a partir de uma série de indicadores.
O desempenho do Brasil nesse ranking piorou. Na edição de 2022, o país ficou em 94º lugar entre 146 nações, duas posições abaixo em relação a 2020.
Por outro lado, estudo da Black Rock analisando os resultados do Índice MSCI (empresas médias e grandes do mercado de capitais nos países desenvolvidos) concluiu que empresas nas quais há equilíbrio entre os gêneros obtiveram melhores resultados.
Na dimensão cultural, a desigualdade de gênero se manifesta na persistência de estereótipos, como o de que tarefas domésticas ou o cuidado com crianças e idosos são mais adequados para as mulheres, e reduz a presença feminina em carreiras na ciência e tecnologia, ocupadas majoritariamente por homens.
As estatísticas econômicas no Brasil seguem entrelaçadas com esse quadro. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE, a taxa de desemprego entre as mulheres atingiu um patamar alarmante de 10,8%, enquanto entre os homens foi de 7,2% no mesmo período.
A desigualdade na participação política é ainda mais aguda. Vale lembrar que a Lei Eleitoral previa uma série de obrigações para financiamento e apoio a candidaturas femininas no ciclo de 2020 e 2022, que foram largamente negligenciadas.
Segundo o TSE, em 2022, 9.794 mulheres se candidataram aos cargos no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e para governos estaduais, incluindo para posições de suplentes, e 302 foram eleitas –o equivalente a quase 3,1%. Entre os homens, 19.072 se candidataram e 1.346 foram eleitos – pouco mais de 7%.
Como membro do G20, o Brasil comprometeu-se em diminuir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho em 25% até 2025. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, essa ação teria um impacto acumulado positivo de 3,3% no PIB do país ao longo desse período.
Estimativas apontam que, se a participação das mulheres crescesse em 5,5%, o mercado de trabalho brasileiro incorporaria 5,1 milhões de mulheres.
Não é só uma questão numérica, mas de inclusão integral. Organizações que contam com quadro colaborativo equilibrado, mas dão pouca oportunidade às mulheres em cargos de liderança, não são de fato igualitárias.
Subestimar os problemas não ajuda, tampouco devemos esperar mudanças drásticas no curto prazo. A verdadeira busca pela igualdade implica desconstruir estereótipos de gênero profundamente enraizados, na promoção de uma cultura empresarial inclusiva e no reconhecimento do valor inestimável que a diversidade de gênero traz para a inovação e o sucesso econômico.
*Marcelo de Sá é CFO do Grupo Petrópolis.
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