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Entidades reagem a PL que pede retomada do voto de qualidade no Carf

FecomercioSP, Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) e Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) sustentam que proposta do Governo jamais foi amplamente negociada

Governo desconsiderou acordo com OAB no PL  (Divulgação/Divulgação)

Governo desconsiderou acordo com OAB no PL (Divulgação/Divulgação)

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Publicado em 22 de maio de 2023 às 18h20.

Última atualização em 22 de maio de 2023 às 18h22.

Após o imbróglio derivado da retomada do voto de qualidade pró-União, o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei (PL) que restabelece o dispositivo em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em casos de empate. O texto visa substituir a Medida Provisória (MP) 1.160/2023, editada no começo do ano, que, além de reverter a lógica, eleva o valor de alçada admitido pelo órgão para mil salários mínimos.

Em fevereiro, quando foi publicada, houve reação de entidades representantes dos contribuintes, tributaristas e conselheiros do Carf. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o entendimento fosse suspenso até a confirmação, ou não, da medida. Após a forte reação, um acordo chegou a ser costurado entre o Ministério da Fazenda, ao qual o Carf está submetido, e a OAB.

Apesar disso, para a Federação do Comércio de São Paulo (FecomercioSP), a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) e o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), o acerto jamais foi amplamente negociado. Em abril, o grupo lançou um manifesto pela retomada do voto de qualidade pró-contribuinte e pela revisão do valor de alçada. "O governo promove caos com mudanças por meio de MP's. Até agora temos 20 dessas medidas. São 5 a cada mês", diz o consultor jurídico da FecomercioSP, Alberto Borges.

“Nos últimos dois anos, o Congresso rejeitou todas as manifestações para o retorno do voto de qualidade, com amplo debate sobre o tema, demonstrando a vontade da sociedade", observa o presidente do MDA, Eduardo Salusse, assinalando que o conceito de democracia foi relativizado, já que o Congresso representa o povo. "A briga agora vai recomeçar, já que foi apresentado esse PL. É hora de acelerar e levar essas preocupações a todos os parlamentares que vão se debruçar sobre o tema", afirma o dirigente.

Um dos argumentos apresentados no manifesto é o elevado número de pedidos de suspensão de julgamentos feitos por contribuintes. "Em virtude dessa aleatoriedade com relação ao resultado, alguns contribuintes já estavam pedindo judicialmente para ter os processos retirados de pauta. Recentemente, o Carf emitiu um ato normativo (portaria Nº 139/2023) possibilitando que o contribuinte, administrativamente, perante o Carf, fizesse o pedido de retirada. Como consequência, houve um número significativo de retirada de pauta nas últimas semanas", declara o conselheiro do Carf, Alexandre Evaristo Pinto.

Outro elemento complicador para as sessões do colegiado é a adesão de auditores da Receita Federal à greve da categoria, decidida no último dia 15/05. Em decorrência do movimento, uma portaria (Nº410/2023) do Carf suspendeu os julgamentos por falta de quorum, já que as Turmas são formadas por nomes indicados pelos contribuintes e pela Fazenda. Neste último caso, via de regra, os componentes são auditores do Fisco.

Valor da disputa não é proporcional à complexidade do caso, diz Salusse

Outro ponto contestado pelo manifesto é o aumento do valor mínimo para que contribuintes possam recorrer ao Carf, fixado em mil salários mínimos pelo novo governo (R$ 1,3 milhão, aproximadamente). "O argumento é que o Conselho cuidará apenas de casos mais complexos. No entanto, o que determina a complexidade de uma contestação não é necessariamente o valor", pondera Salusse, que comenta ainda um efeito prático da decisão para pequenos empresários: "Você está alijando essa empresa de obter acesso à Justiça, já que elas não têm os recursos necessários para as custas processuais, nem alcançam as grandes bancas advocatícias."

Já o representante da FecomercioSP lembrou que, restringindo o acesso ao Carf, você ainda priva esse contribuinte de ter sua questão analisada por um julgador especializado na área tributária. "É um órgão julgador que desafoga o Judiciário de questões tão específicas. Nem deveria ter alçada, já que a Constituição Federal garante o livre acesso ao Direito, tanto na esfera Judiciária quanto na Administrativa. Somos contra", reafirma Borges.

Salusse contrapõe o posicionamento do governo com o passado recente do Carf: "Por que na pandemia eram julgados valores mais baixos e à distância e agora não pode mais? Tenho a impressão que somente a Receita foi ouvida. Fora isso, em um levantamento que fizemos aqui, a gente calcula que, até que se alcance a última instância do Judiciário, uma ação processada fora do Carf seja julgada por aproximadamente 75 pessoas. O contribuinte não sabe nem se estará vivo ao fim dos trâmites." O manifesto pede o restabelecimento do valor de alçada a 60 salários mínimos.”

Quase 95% dos desempates favoreceram a Receita Federal

Sobre a tendência de resultados pró-Fisco se avolumarem, um levantamento realizado pelo site jurídico Jota aponta que 94,7% dos casos tiveram esse desfecho desde a edição da MP. Dos 153 julgamentos decididos via voto de qualidade (total ou parcialmente) entre 1º de fevereiro e 30 de março, 145 favoreceram a União e oito o contribuinte.

Do ponto de vista de Alberto Borges, desde a reestruturação do Carf - após apuração da Polícia Federal (PF) indicar pagamento de propinas para integrantes do órgão a fim de anular ou reduzir débitos tributários, no bojo da Operação Zelotes, de 2015 -, o tribunal administrativo havia encontrado equilíbrio.

"O conselheiro vê a Lei. Não tem porque manter autuação que não se sustenta. Já se o Fisco estiver certo, a autuação será mantida. Não cabe levantar suspeitas contra os representantes dos contribuintes no órgão. Não eram nomes indicados pelo contribuinte (no foco da Zelotes), eram conselheiros da Receita", afirma Borges. Salusse, por sua vez, acrescenta que os auditores fiscais nomeados para o Conselho sofrem pressão da Receita para manterem decisões do Fisco.

"O cara morre de medo de ser transferido, por exemplo, para fiscalizar contrabando na fronteira com o Paraguai, caso vote muitas vezes contra os interesses da Fazenda. Tem vários exemplos disso, de que há uma falta de independência", diz o presidente do MDA. Na avaliação do dirigente, o PL apresentado pelo Governo em substituição à MP não altera em nada a situação. "Não contempla sequer os termos do acordo costurado pela OAB, apesar de não reconhecermos a legitimidade da entidade de negociar em nome dos contribuintes", declara. O governo pediu urgência na tramitação da proposta.

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