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Emannuelle Junqueira: A incrível história de quem não quis envelhecer

O envelhecimento faz parte da vida; temos que nos cuidar, nos preservar, não para parecermos jovens para sempre, mas sim para envelhecermos bem

Joni Mitchel para L'Oréal Paris: aceitemos o envelhecimento, enquanto pessoas e também como consumidores (Instagram/Reprodução)

Joni Mitchel para L'Oréal Paris: aceitemos o envelhecimento, enquanto pessoas e também como consumidores (Instagram/Reprodução)

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Publicado em 2 de novembro de 2021 às 20h02.

Por Emannuelle Junqueira*

Sou da última geração que não teve os filtros dos aplicativos e das redes sociais na adolescência. Lembro-me de deixar os filmes da câmera para revelação e da ansiedade para ver o resultado, escolher as mais bonitas. Longe de pensar nessa época com nostalgia, o que me preocupa é que, hoje, vemos milhões de jovens, nascidos em meados da década de 90, se tornarem ansiosos e deprimidos por não se parecerem com as fotos mostradas nesses aplicativos, cheias de alterações para deixar as pessoas mais magras, sem manchinhas naturais na pele, sem as rugas que são inerentes à vida.

A gravidade desses efeitos é tamanha que fez com que o Instagram, uma das maiores redes sociais do mundo e principal plataforma de compartilhamento de imagens — são mais de 1,22 bilhões de usuários ativos, sendo que 500 milhões acessam a plataforma todos os dias —, adotasse uma nova política de comunicação para tentar reverter o mal que causou.

Hoje, a grande mensagem é “seja você mesmo”. Isso acontece depois de termos visto adolescentes no mundo inteiro exigindo de si padrões — de beleza, de comportamento — inalcançáveis. Justamente por ter na Geração Z seu maior público, a rede social tem sua responsabilidade na propagação desses ideais inatingíveis.

Ser jovem para sempre? Não é apenas impossível, é um contrassenso: como podemos ter uma sociedade que valoriza o novo e despreza o velho, se nosso desejo é viver cada vez por mais?

A medicina do futuro nos promete uma vida cada vez mais longa — chegaremos aos cem anos como se tivéssemos 70 ou 80. Reparem na incoerência: queremos permanecer vivos com medo de envelhecer. Algo não bate nessa conta.

O envelhecimento faz parte da vida. Temos que nos cuidar, nos preservar e proteger nossos corpos e nossas mentes. Não para parecermos jovens para sempre, mas sim para envelhecermos bem. Que a idade seja apenas mais uma característica entre muitas, e nunca uma informação que nos define. O autocuidado, a autoimagem, o zelo com nossa pele, as escolhas que fazemos na hora da alimentação — são esses os conceitos a serem assimilados para viver mais e melhor.

Ter mulheres acima de 50 na moda é um viés do combate ao etarismo, movimento que cresce de forma lenta, porém constante. Mas ainda há muito a caminhar.

Drew Barrymore e Cameron Diaz (Reprodução/Instagram)

Foi um suspiro, na semana passada, ver uma foto das atrizes americanas Drew Barrymore e Cameron Diaz, juntas em um evento, e que acabou viralizando. O sucesso não foram os vestidos ou a premiação, mas sim o fato de ambas, com idades na casa dos 50, estarem lindas justamente porque não pareciam estar usando filtros ou tentando mascarar rugas. Foram elogiadas por estarem “envelhecendo bem”.

Essa aceitação por parte do público é uma espécie de validação. Validação essa, cabe lembrar, para a qual nunca estamos prontos. Ou você conhece alguém de fato preparado para ser julgado e avaliado por centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro a toda hora? Nossa mente não evoluiu como a tecnologia.

Nascemos para lidar com nosso entorno próximo, nosso cérebro sequer consegue processar as tantas críticas que somos capazes de receber hoje em dia, se formos populares nas redes. Quando foi criado, o botão do “like” no Facebook foi anunciado como uma resposta à necessidade de interação que o usuário sentia, para espalhar afeto. Certamente, ninguém pensou em como a ausência desse afeto poderia se reverter em depressão. Sim, o ser humano é mestre em criar coisas para as quais não está preparado.

Da mesma forma, quem está preparado para viver mais de cem anos? Seremos capazes de lidar com os desafios que essa idade trará?

Com mudanças de paradigmas e autoavaliação individual e da indústria, sim. Temos, inclusive, lindos exemplos de quem se apropria da idade: em 2015, marcas de luxo, como Yves Saint Laurent e Céline, colocaram ícones com idades 70/80 para estrelar campanhas.

Na primeira, as musas foram a cantora Joni Mitchell, que à época tinha 71 anos, e a escritora Joan Didion, com seus lindos 81 anos, estrela da segunda. A atriz Helen Mirren, aos 74, é embaixadora da L’Oréal Paris. Elas mostram que envelhecer é bonito. Mas tudo passa por autoaceitação e autoestima. E o mercado, se quer uma fatia dos atuais R$ 1,6 trilhão por ano que a geração “prateada” movimenta, segundo a agência FreishmanHillard no Brasil, precisa, se adequar.

Cabe a nós, como sociedade, mostrarmos o que queremos. Não aceitarmos mais produtos “anti-idade” ou com promessas “rejuvenescedoras”. Aceitemos o envelhecimento, enquanto pessoas e também como consumidores.

A capa da revista Ela, em O Globo do último domingo, trouxe uma bela lição: a influenciadora digital que estrelou a capa é como qualquer outra. Tem mais de 230 mil seguidores no Instagram, com quem compartilha seu gosto por moda, viagens, dicas de lifestyle e divulga suas parcerias com diversas marcas. O detalhe é que ela tem 80 anos. Dona de uma energia que salta aos olhos, foi uma mulher analfabeta, que viveu um relacionamento abusivo e que sofreu com a morte do marido.

Porém, surgiu ainda mais forte depois da perda, porque se autodescobriu: passou a se cuidar, a dar atenção para roupas e acessórios – tem uma invejável coleção com mais de 250 óculos escuros — e a curtir sua própria identidade. O filho, seu fiel empresário, conta que pouco tempo depois dos primeiros cliques compartilhados, o carisma da mãe já foi um sucesso. Hoje, é apontada por especialistas como um refresco na indústria e se tornou muito conhecida no sul do país, onde mora. Adorei conhecê-la. O principal conselho de Vovó Alzira, como é conhecida, deve ser seguido à risca por todos nós: “está chateada? Se arrume e vá passear”.

Ser “humano” significa que sua vida é finita e que você pode e deve fazer o máximo para viver bem e melhor por mais tempo, mas também quer dizer que você vai enfrentar a luta para superar padrões impostos por outros humanos. Como lutamos para isso e como isso nos afeta é o que está sob nosso controle. Envelhecer ou não, isso não, não está. E, para usar o bordão do momento nas redes, “está tudo bem assim”. Até porque você conhece a história da pessoa que não quis envelhecer, certo? Ela morreu.

*Emannuelle Junqueira é diretora criativa da marca que leva seu nome, designer, empreendedora e apresentadora do Prova de Noiva no Discovery H&H

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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