Dois setores produtivos sofrem especialmente com essa ação predatória: tabaco e combustíveis (SPmemory/Getty Images)
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Publicado em 16 de abril de 2024 às 15h00.
Última atualização em 17 de abril de 2024 às 16h37.
Por Edson Vismona*
Inadimplência estruturada é o objetivo de negócio de inúmeras empresas no Brasil. Evadem bilhões de reais dos cofres públicos, não pagando impostos de modo articulado e doloso. Declaram, mas não pagam, utilizando-se de todas as possibilidades nas esferas administrativa e judicial para protelar ao máximo suas obrigações. Quando, finalmente, são obrigadas a pagar, fecham e transferem suas atividades para outro CNPJ. Essa é a prática das conhecidas devedoras contumazes. Pode parecer inverossímil que a estratégia seja possível, mas, por fragilidades da lei, ocorre de forma crescente e preocupante.
Dois setores produtivos sofrem especialmente com essa ação predatória: tabaco e combustíveis. Fábricas de cigarros ilegais já detém 9% do mercado brasileiro e os combustíveis, desde o refino até a distribuição, ampliam sua participação em todas as regiões brasileiras. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional apontam que essas empresas criadas para não pagar impostos somam R$ 140 bilhões em dívidas somente nesses setores. Com essa expressiva evasão fiscal, as contumazes prosperam e aumentam participação no mercado, afastando as empresas que cumprem com suas obrigações.
Uma dinâmica que permite adotar preços fora da realidade, afetando a competitividade da indústria nacional em afronta aos princípios legais que visam assegurar a livre concorrência, em evidente infração à ordem econômica. Dados do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), baseados nas informações de quatorze setores produtivos, demonstram que as perdas com a ilegalidade mais que quadruplicaram em oito anos. Um salto de R$ 100 bilhões em 2014 para R$ 410 bilhões em 2022. Movimento que prejudica duramente a indústria, o comércio e também os consumidores e o erário.
Para além dos prejuízos econômicos, cabe destacar: a livre atuação das contumazes afeta diretamente a segurança pública, já que essas empresas notadamente financiam organizações criminosas e milícias.
Essa ação deletéria prospera por não haver uma legislação que tipifique a prática, conferindo poderes específicos para o fisco agir mais celeremente no sentido de coibir o avanço das contumazes.
Há anos, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO e seus associados vêm tratando desse tema em todos os Poderes da República, atuando como “amicus curiae” no Judiciário; apoiando as ações da Receita e da PGFN e defendendo projetos de lei como o PL complementar 164/22 do Senado Federal.
O texto define “objetivamente a figura do devedor contumaz, de modo a melhor aparelhar as Administrações Tributárias para reprimir a sua atuação e proteger, de investidas fiscais e penais ilegítimas, os contribuintes que atuam licitamente no mercado”. Apesar da relevância do tema, porém, o projeto de lei ainda aguarda a designação de audiência pública.
Paralelamente, o Poder Executivo apresentou na Câmara Federal o PL 15/24, que “institui programas de conformidade tributária e aduaneira no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e dispõe sobre o devedor contumaz e as condições para fruição de benefícios fiscais”. Essa proposta tramita em regime prioritário, não é lei complementar e sim de caráter ordinário, valendo, apenas, para tributos federais.
Em suma, o PLP 164/22 do Senado – que regulamenta o artigo 146 - A da Constituição Federal – é mais preciso na tipificação, distinguindo devedores eventuais e reiterados do que deve ser considerado como contumaz e delimita as especiais ações do fisco para esta categoria, unificando o entendimento de devedor contumaz também para os tributos estaduais.
Já o PL 15/24 que está na Câmara, tem uma tramitação mais rápida, não alcança os tributos estaduais e amplia a interpretação do conceito de contumaz, o que prejudica o consenso. Assim, a parte que trata do devedor contumaz não avança, travando sua deliberação.
Em verdade, para o saneamento da concorrência no Brasil, deve ser rapidamente definida a lei que permita o efetivo enfrentamento ao negócio baseado na evasão fiscal que sangra os cofres públicos e corrói a competitividade.
As empresas cumpridoras da lei e o fisco devem aproveitar esse momento para unir esforços e definir uma estratégia comum que permita avançar no intento de defender o interesse público e inverter a esdrúxula situação na qual quem cumpre a lei é punido e quem afronta é amparado. Definitivamente, uma lógica que fere o empreendedorismo e beneficia o crime não serve ao Brasil.
*Edson Vismona é Advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - ETCO e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade; foi secretário da justiça e defesa da cidadania do Estado de São Paulo.
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