Preconceito só se reduz se empresas discutem, exploram e ensinam (Divulgação/Divulgação)
Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola
Publicado em 30 de março de 2023 às 13h05.
Última atualização em 6 de novembro de 2023 às 17h45.
No último final de semana saiu uma notícia no portal G1 dando conta de que o Ministério Público do Trabalho abriria um inquérito para investigar se o organizador de uma feira de negócios no interior de São Paulo cometeu discriminação na hora de contratar mulheres para trabalhar nos estandes. Os indícios eram fortes, porque o anúncio que foi parar na mão dos promotores pedia que as candidatas tivessem o perfil físico de “panicats”.
Por uma feliz – ou infeliz, sei lá – coincidência, essa notícia pipocou na minha tela, num dos grupos de diversidade que temos lá no trabalho, no minuto seguinte em que eu havia acabado de ler um artigo publicado pela Harvard Business Review, no qual o autor, Jeremie Brecheisen, sócio da Gallup, enumerava dez estratégicas que líderes corporativos deveriam adotar para que suas empresas dessem passos maiores em direção a um patamar mais elevado de diversidade, equidade, inclusão e pertencimento (DEIP).
Uma delas preconiza que o líder tome medidas para aumentar a justiça na hora de contratar alguém. Recomenda-se adotar boas práticas já consagradas, como o uso de candidaturas anônimas e a padronização das perguntas nas entrevistas. E mais isso: “Certifique-se de que os requisitos da vaga estejam focados nas habilidades que a pessoa deverá ter para executar o trabalho e que você esteja usando uma linguagem inclusiva”.
Então tentei medir a distância que o anúncio do evento no interior paulista estava disso e deu todos os quilômetros do mundo. E como resto dessa conta quase impossível ficou a pergunta: como pode uma coisa assim, ainda hoje?
Voltemos para o artigo. As outras nove estratégias eram igualmente certeiras e, acredito, com potencial de mexer ponteiros dentro das organizações. Por exemplo, três delas dizem respeito aos gerentes que trabalham na companhia: 1) capacite-os sobre inclusão; 2) treine-os para falar sobre DEIP; e 3) incentive-os a verificar regularmente o bem-estar dos funcionários.
Faz todo sentido. Quem lida no dia a dia com o pessoal todo não é o CHRO (chefe de recursos humanos), são os gerentes! “Não deixe que os seus sentimentos negativos sobre a capacidade dos gerentes os impeçam de conversar com suas equipes”, escreve o autor do artigo.
Aliás, o que motivou o texto – e as dez estratégias – foram duas pesquisas feitas pela Gallup que mostraram o gap existente entre os líderes de RH e os funcionários das companhias nas percepções de DEIP que uns e outros
possuem. Uma das pesquisas ouviu 122 CHROs de grandes empresas. A outra ouviu os funcionários.
Alguns dados interessantes: 97% dos líderes consideram que suas empresas fizeram mudanças importantes para melhorar a diversidade, a equidade e a inclusão, mas só 37% dos funcionários concordam com isso. A companhia se preocupa com o bem-estar dos empregados? Só 24% deles dizem que sim, enquanto 65% dos CHROs afirmam a mesma coisa.
Bom, tem mais um mundaréu de dados no artigo, mas não vou reproduzir aqui, até porque temo enfrentar o problema de ter poucos leitores e carrego a impressão de que toda surra de porcentagens numa coluna que sonha ser mais leve, quase uma crônica, afugenta os poucos que restam. Então, resumindo, o que importa saber é que algo precisa ser feito, porque do jeito que está não está bom.
Já me contradizendo, achei mais uns números interessantes para mostrar. Num ou noutro quesito, a percepção dos líderes está pior do que a dos funcionários. Olha isso: ao falar sobre pertencimento, 41% dos empregados se sentem confortáveis sendo eles mesmos no trabalho. Mas só 27% dos líderes de RH acreditam que eles, os funcionários, se sintam assim.
E outra: parcos 8% dos CHROs creem que seus gerentes estejam preparados para conversar sobre DEIP com os times. Mas 41% desses gerentes se sentem aptos. E a chance de um deles responder dessa forma positiva dobra caso tenha participado de algum treinamento sobre o assunto nos últimos 12 meses.
Aí está, talvez, a receita da coisa. A sigla DEIP não deve ser apenas almejada, sonhada, implementada. Deve ser discutida, explorada, ensinada. Só assim o preconceito diminuirá – seja o da própria empresa e de funcionários com seus colegas, seja o dos líderes com seus gerentes. E, então, anúncios de emprego procurando mulheres com físico de panicat serão nada mais do que um parágrafo perdido num livro de história sobre um passado muito estranho.
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