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Dia Internacional da Mulher: democracia, ausências e descrenças

O povo brasileiro ainda considera a democracia um meio para resolver suas questões?

Não há democracia se mulheres não têm recursos iguais para a disputa política (Paulo Whitaker/Reuters)

Não há democracia se mulheres não têm recursos iguais para a disputa política (Paulo Whitaker/Reuters)

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Publicado em 1 de março de 2023 às 10h00.

Em 8 março é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Em 8 de janeiro deste ano tivemos demonstrações claras de ataque à nossa democracia. Aproveito a ocasião para tecer algumas reflexões.

A pesquisa “A cara da Democracia”, realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, demonstra forte insatisfação com a democracia brasileira. Podemos inferir que nosso povo não considera a democracia como meio para solucionar nossas questões?

A nossa Carta Magna apregoa o Estado Democrático de Direito enquanto constituinte da República Federativa do Brasil. Um Estado Democrático de Direito pressupõe um Estado que se dedica a garantir o respeito das liberdades civis, assim como o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais. Estado de direito é, assim, ligado ao respeito às normas e aos direitos fundamentais.

No âmbito dos três Poderes, sendo  Legislativo e Executivo preenchidos pelo processo eleitoral, a sub-representação nos cargos eletivos de mulheres  é histórica.

Da análise da base de dados do Tribunal Superior Eleitoral, o time de pesquisa do Elas do Poder apurou:

  • nas eleições de 2022, maioria das pessoas eleitas foram homens (81,80%);
  • apesar das mulheres serem maioria da população brasileira (51,03% em 2018 e 2022), nas eleições de 2018 e 2022, em todos os cargos, as pessoas eleitas são majoritariamente homens e pessoas brancas;
  • comparando com a eleição de 2018, a maioria das pessoas eleitas continuam sendo brancas (69,15%);
  • em 2014, 2018 e 2022, considerando todas as raças, exceto a indígena, homens são mais eleitos que as mulheres;
  • em 2022, homens brancos representam 83,35% das pessoas eleitas, homens pretos 57,61%, homens amarelos 100%, homens pardos 83,81%. Indígenas eleitas e eleitos possuem o mesmo quantitativo (50%).

Igualmente, na eleição  de 2020, eleições municipais para vereadores e prefeitos,  mais da metade dos municípios brasileiros (57,2%) não elegeu vereadoras negras para suas câmaras municipais. É importante lembrar que no Brasil mais da metade da população é negra, com as mulheres negras sendo o maior grupo demográfico (28%).

Em que pese os esforços das instituições para promover mais mulheres na política, de nada adianta garantias legais nesse sentido, se os que estão no poder agem para o seu enfraquecimento. Cito aqui  a promulgação da Proposta de Emenda Constitucional 18 , que basicamente concedeu anistia aos partidos que não cumpriram a cota de gênero ou que não tiverem utilizado os percentuais mínimos de 30% de financiamento de campanhas de mulheres e de 5% para estímulos à participação política de mulheres nas eleições que ocorreram antes da Emenda. Vale lembrar que estamos em um contexto em que sequer há uma previsão legal específica de licença maternidade para as parlamentares.

Considerando que o Brasil é fruto de um processo de formação profundamente violento, tendo gênero e raça como instrumentos nesse processo. Essas tecnologias sociais se imbricam em contínua ação viabilizando intensa desigualdade que marca a vida.

Considerando a democracia como um governo no qual o povo exerce  soberania. Considerando a democracia como um regime político no qual os cidadãos participam – diretamente ou através de representantes eleitos – de propor, desenvolver e criar leis, exercendo o poder de governança através do sufrágio universal.

Não há como se falar em uma democracia se mulheres não possuem recursos em pés de igualdade para a disputa política, não tem como um Parlamento que de fato represente e pense o país se o maior grupo demográfico não possui condições de adentrar disputas políticas que geram decisões que afetam a todos nós. Resultado disso é a composição das esferas de tomadas de decisões não refletindo o povo brasileiro, fortalecendo o descontentamento com a Democracia verificado na pesquisa citada no início do texto.

Não se pode falar de democracia  se metade da população é ceifada da política institucional. A Sueli Carneiro nos explica bem a Democracia de baixa intensidade.

Isto posto, é essencial, defender ações reais e efetivas que incentivem mulheres nas esferas de poder (política afirmativa, financiamento público de campanhas, etc.), aumentando a consciência política da população sobre a importância de termos uma Democracia de fato representativa do povo e para o povo. Ou isso, ou continuamos assistindo a sua deterioração.

*Rachel Andrade é especialista em gestão de políticas públicas em gênero e raça e coordenadora do time de Pesquisa Elas no Poder

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