Confira técnicas para otimizar o funcionamento da memória (ismagilov/Thinkstock)
Bússola
Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 20h26.
Por Martha Gabriel*
Desvendar o funcionamento do cérebro significa desbloquear o acesso ao nosso controle central — todas as nossas funções vitais, emoções e decisões acontecem nesse órgão fascinante. É o cérebro que determina como experimentamos o mundo, como agimos, a nossa percepção e, consequentemente, a qualidade de nossas vidas. Saber utilizar melhor o nosso cérebro é, portanto, algo poderoso, pois nos permite ampliar os nossos resultados.
No entanto, esse poder tem seu preço — o cérebro humano é algo extremamente complexo. Para se apropriar das suas potencialidades é preciso vencer essa complexidade, algo que vem gradativamente acontecendo com os avanços da medicina nas últimas décadas somados à evolução tecnológica, que vem trazendo possibilidades que permitem expandir as fronteiras da humanidade para muito além do nosso corpo biológico — o potencial de nos alavancar para uma nova categoria de seres humanos-digitais. As inúmeras combinações híbridas (humano + tecnologia) que se tornam cada vez mais possíveis (e infinitas), tendem a transformar completamente, em um futuro próximo, aquilo que conhecemos como “ser humano”.
Nessa jornada desafiadora de descoberta e ampliação contínua do nosso cérebro (e, consequentemente, do nosso ser) existe ainda muito que não sabemos sobre o seu funcionamento. No entanto, por outro lado, muito também já foi desvendado, nos permitindo aplicar esses conhecimentos para melhorar a nossa performance cerebral, ou, em outras palavras, a nossa inteligência. Nesse sentido, um dos fatores mais importantes é a capacidade de aprendizado do cérebro (seja ele humano, híbrido ou artificial), pois é ela que permite a nossa adaptação às mudanças e a expansão da visão para atuação no mundo.
O processo de aprendizagem se fundamenta em alguns pilares e envolve inúmeros órgãos e funcionalidades do nosso organismo. Um desses pilares é a memória — é ela que armazena os dados captados para processamento imediato (memória de curta duração), e é ela também que armazena os resultados e aprendizados (memória de longo prazo).
Além disso, a memória é fundamental para que possamos fazer predições — por exemplo, para jogar algum esporte de bola ou de grupo (como tênis, vôlei, futebol, etc.), precisamos registrar as posições de onde vêm a bola e os demais jogadores para podermos prever para onde eles estão indo, e assim, interagirmos na jogada — sem a memória, isso não seria possível. O mesmo acontece quando dirigimos: precisamos registrar a posição de inúmeros outros veículos para determinar suas direções e velocidades para que possamos tomar as melhores decisões para dirigir sem colisões e em harmonia. Portanto, a memória exerce um papel crucial tanto nas nossas decisões em tempo real quanto no aprendizado para nos adaptarmos e melhorarmos nossa performance ao longo do tempo. Sem memória, não conseguiríamos registrar aprendizados de atuações passadas para podermos mudar e melhorar e, consequentemente, evoluir.
Nesse sentido, otimizar o funcionamento da memória significa, no final das contas, melhorar o nosso processamento cerebral para tomada de decisões. E, como fazemos isso? Como utilizar o máximo potencial da memória? Vejamos.
Como a memória funciona
Ao contrário do que muitos pensam, a memória não registra/recupera informações como se fossem fotografias ou blocos completos de dados. Ao contrário, ela funciona mais como uma “criação” no momento de acesso do que um “filme” gravado — a memória é formada a partir da ativação de inúmeros fatores que atuam em conjunto para recuperar informações e aprendizados que geram o resultado que “lembramos”. Nesse sentido, existem diversas variáveis que podem afetar o seu funcionamento, como, por exemplo: química cerebral (emoções, álcool, sono etc.), vieses de memória, quantidade informacional e o tempo (esquecimento).
Considerando esses fatores, um grande poder que temos (apesar de muitas vezes não o usarmos), é controlar o “tempo de esquecimento” — e isso tem um impacto profundo no processo de aprendizado. O pesquisador Hermann Ebbinghaus descobriu que nós esquecemos novas informações em um ritmo acelerado, formando um gráfico exponencial decrescente conhecido como Curva do Esquecimento (ver imagem a seguir).
Normalmente as pessoas esquecem a maioria das informações (67%) em até 24 horas após o aprendizado inicial, sendo que quase metade (42%) é esquecido em apenas 20 minutos. Depois de um mês, já se perdeu aproximadamente 80% da informação aprendida, e depois de dois meses, quase tudo se foi (90%). Assim, a nossa habilidade para lembrar de novas informações diminui rapidamente com o tempo.
Esse conhecimento sobre o ritmo de esquecimento do cérebro é muito importante porque nos dá subsídios para combater os efeitos negativos do tempo na memória, possibilitando que lembremos qualquer coisa que desejemos — esse poder que temos para controlar o tempo de esquecimento e reter o aprendizado, funciona como um superpoder para aqueles que o utilizam.
Algumas das técnicas que podem ser aplicadas imediatamente para ajudar a reverter o processo de esquecimento de qualquer nova informação, reforçando o seu aprendizado, são:
Regras mnemônicas — a criação de siglas, associação de palavras, imagens e diagramas pode ajudar a tornar informações importantes mais memoráveis, como, por exemplo, a sigla FAANG que tem as iniciais das cinco maiores empresas de tecnologia da atualidade: Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google, facilitando a memorização;
Conexões emotivas ou associações — criar conexões emotivas ou associar a informação com algo que você já tem conhecimento, ajudam a fixar a memória, como, por exemplo, uma analogia: para memorizar que a quantidade de membros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é 33, você pode associar esse número com a idade de Jesus Cristo, que já te é conhecida. Outra forma de criar associações eficientes é por meio da música — transformar a informação em canção amplia a sua fixação no cérebro (você já prestou atenção em quantas músicas sabe de cor?).
Revisitar diversas vezes as novas informações — essa é a melhor forma de reforçar o aprendizado e reverter a curva do esquecimento, segundo Ebbinghaus. Como o processo de esquecimento é acelerado, o ideal é que se revise as novas informações o mais rapidamente possível, e se retorne a elas em períodos subsequentes para garantir a sua fixação. Isso é o que comumente chamamos de estudar (#fikaadika), e para tanto, existem vários métodos que podem ser aplicados, como, por exemplo: fazer resumos, ensinar alguém, se autoquestionar, escrever a informação à mão.
Se, por um lado, temos o superpoder do aprendizado, por outro, ele só funciona se o usamos. Ter um poder e não usar é o mesmo que não ter poder algum. Talvez você não conhecesse a curva do esquecimento antes de ler esse texto, mas provavelmente você já sabia que estudar e revisitar informações eram o método mais eficiente para fixar o aprendizado. Talvez você não soubesse que isso era um superpoder — agora você já sabe. No entanto, para a “mágica” do superpoder funcionar, não basta saber, é preciso fazer.
*Martha Gabriel é futurista, autora do best seller “Você, Eu e os Robôs: como se transformar no profissional digital do futuro”, professora de inteligência artificial na pós graduação da PUC-SP
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