Auxílio emergencial (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Mariana Martucci
Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 19h35.
O diagnóstico do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre pagamentos indevidos de quase R$ 55 bilhões no auxílio emergencial, em 2020, chama a atenção para um desafio na nova rodada do benefício em preparação no Congresso. Criado com tempo mínimo, baseado em autodeclaração e sem uma base sólida de dados, a ajuda foi distribuída inicialmente com critérios frágeis na escolha do público-alvo. Esses erros do passado devem agora nortear parlamento e governo para evitar repetir o desperdício na versão 2021.
Esse é o primeiro desafio a ser enfrentado pelo novo ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos-BA). Ele assumiu o cargo esta semana e já tem sobre a mesa a avaliação do TCU indicando a necessidade de correções. Estas podem até minimizar politicamente danos ao justificar mudanças nessa segunda fase em que o Ministério da Economia cobra medidas fiscais de compensação para o gasto extra que pode ficar entre R$ 40 e R$ 50 bilhões, num valor que pode complementar a renda de pessoas carentes em cerca de R$ 250 ou R$ 300 mensais, em quatro parcelas. Previsão inicial.
O governo não terá os quase R$ 300 bilhões para distribuir em auxílio, número do no ano passado. Não poderá pagar R$ 1,2 mil por família. Nem chegará a quase 70 milhões de pessoas atendidas. Os limites impostos pela capacidade de endividamento trazem a necessidade de melhorar a eficiência do governo em fazer o dinheiro chegar a quem realmente precisa de ajuda.
Existem problemas estruturais que não serão superados rapidamente, e, por isso, exigem criatividade. O primeiro problema é a falta de um censo com uma base de dados atualizada em relação à população brasileira, com informações sobre renda e atividades produtivas.
O último censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem mais de 10 anos. Só foram feitas atualizações com base na PNAD - ou Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar. É amostragem, não é pesquisa censitária, muito mais ampla, detalhista e profunda. O censo é mais adequado para ser usado na formulação de políticas públicas.
Claro que, em função da pandemia, não é possível visitar casas e entrevistar os moradores das residências para obter um perfil completo e detalhado das famílias brasileiras. É importante observar que o IBGE tinha dificuldades orçamentárias mesmo antes de 2020. Eram negados recursos suficientes para realizar a tarefa de ter um retrato real do país, sempre com dotações menores que solicitadas.
Com um certo desprezo, os últimos governos preferiram economizar com levantamento que gera economia, ao se pesquisarem as mudanças na sociedade - suas fraquezas e qualidades. É como se o paciente decidisse a automedicação, evitando os especialistas e exames, mas tomando vitaminas porque leu no Google. Pode até funcionar, mas a base de escolha é puramente intuitiva.
O advento da Covid-19 paralisou o país, afetando a economia e revelando os invisíveis. Gente que trabalha mas não tem carteira assinada. Pessoas que caminham pelas praias com biscoito Globo, oferecem sacos de lixo nos semáforos, são garçons em festas de final de semana, vendem cervejas na porta de shows, fazem jardinagem em casas que, de hora para outra, se fecharam pelo medo do vírus.
O fato de o governo ter pagado a quase 70 milhões de pessoas não significa que pagou a quem merecia ou precisava. O TCU mostrou muitos desvios. Aproveitadores entraram na fila e se cadastraram. Sem filtros, parte do dinheiro foi pra o ralo dos espertalhões.
A evolução da assistência social no país pode surgir dessa experiência, buscando realmente transformar esses invisíveis, agora vistosamente incorporados ao sistema bancário pela Caixa Econômica Federal, em cidadãos que sejam alvo de políticas públicas transformadoras. É preciso ser disruptivo, com programas que sejam além de permitir a alguns brasileiros pouco mais do que levar comida à boca. Dados confiáveis são precisos, com trocadilho.
Educar, qualificar, oferecer oportunidades e incluir milhões ainda é o desafio que se impõe ao país. E, para tanto, o novo ministro João Roma tem uma luta imensa para combater a ineficiência de vários outras políticas públicas brasileiras que existem, mas não chegam a quem verdadeiramente precisa. O desperdício é a nova saúva brasileira.
*Analista Político da FSB Comunicação
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