É essencial ouvir as comunidades locais, só assim as ações serão efetivas e duradouras (Adriano Machado/Reuters)
Bússola
Publicado em 6 de janeiro de 2022 às 09h00.
Por Joanita Maestri Karoleski e Andrea Azevedo*
É impossível pensarmos em preservação ambiental, sustentabilidade e ações para frear o aquecimento global sem nos lembrarmos da Amazônia. O bioma com a maior biodiversidade do planeta, riquíssimo em flora, fauna e recursos naturais, é recheado de oportunidades e de respostas para a crise climática que afeta o mundo todo. Nesse sentido, a iniciativa privada, o setor público, o terceiro setor e a sociedade civil têm se engajado cada vez mais para mergulhar no universo amazônico e extrair o que a floresta tem de valioso, ao mesmo tempo em que buscam preservá-la.
Nós, que atuamos no Fundo JBS pela Amazônia, instituição sem fins lucrativos que tem o objetivo crucial de ajudar a fomentar o desenvolvimento sustentável do bioma, consideramos muito animadora a vontade de mudar o cenário amazônico para um futuro mais próspero e sustentável vindo de todos os lados, seja no Brasil, seja em outras partes do mundo. O trabalho que temos realizado têm nos evidenciado que é essencial ouvir as comunidades locais para alcançarmos um entendimento profundo dessa região. Só assim toda a boa vontade e os recursos das iniciativas em curso trarão impactos socioambientais efetivos e duradouros.
As pessoas que vivem na região são as que mais entendem das particularidades da Amazônia. São elas que estão todos os dias usufruindo e contribuindo para o desenvolvimento do bioma. As comunidades locais, sejam agricultores familiares, extrativistas, indígenas, quilombolas ou ribeirinhos, são agentes primordiais da bioeconomia da floresta, pois estão no centro das cadeias de produção locais. Manter a floresta em pé também passa necessariamente pelo desenvolvimento socioeconômico da população amazônica, a partir do olhar dos próprios moradores, que precisam da floresta e tiram dela seu sustento. Quanto mais tentamos estruturar negócios e ações sem incluir as comunidades nesse processo, mais distantes ficaremos do objetivo de alcançar uma bioeconomia que traga prosperidade para as pessoas que estão mais próximas da floresta.
Em visitas à região, temos acompanhado de perto a vida dos moradores da Amazônia e vemos que há questões que para nós podem parecer triviais, mas que para eles são gargalos que fazem toda a diferença. É o caso do acesso à água potável, que para algumas comunidades é ainda mais urgente do que ter a sua renda ampliada. Outra vulnerabilidade da região, que atrasa o desenvolvimento dos negócios por lá, é a falta de energia elétrica. Quase 1 milhão de pessoas vivem sem acesso à eletricidade convencional. E, quando há energia ligada à rede, a inconstância é muito grande.
A questão logística também precisa ser superada, pois envolve enormes distâncias a serem percorridas, em que o único transporte possível é o barco, podendo levar dias para chegar ao destino. O desejo de muitos ribeirinhos é comprar uma embarcação de metal com motor de rabeta, que oferece melhores condições de deslocamento, diminuindo em muitas horas o trajeto, e que ampliaria as possibilidades de comércio, dando-lhes mais autonomia. A questão da logística ainda é um desafio para viabilidade econômica de muitos produtos da floresta e alguns projetos têm tentado endereçar especificamente esses gargalos. A organização das comunidades em associações e cooperativas é uma estratégia econômica importante para amenizar vários desses desafios e encontrar outros mercados, além dos locais e regionais.
A comunicação é outro tema a ser endereçado, pois pode unir todas as regiões da Amazônia. Um estudo sobre conectividade digital em comunidades ribeirinhas remotas, conduzido pela Fundação Amazonas Sustentável e financiado pelo Banco Mundial, mostrou que a questão enfrenta uma série de barreiras devido às restrições ambientais e grandes áreas de florestas e rios. Mas há solução. O estudo sugere como opção o uso de satélites, diante das dificuldades de instalação de fibra óptica na floresta, e a utilização de sistemas de rádio nas comunidades mais distantes.
A maneira mais efetiva de conhecer todos esses desafios, a exemplo dos potenciais da floresta, é estar in loco nela, vivenciando o bioma. O capital filantrópico, sobretudo a filantropia de impacto, tem um potencial enorme para contribuir com as comunidades, apoiando o fortalecimento de seus negócios, das cadeias principais que contribuem para a manutenção da floresta e para o desenvolvimento socioeconômico. Somente conhecendo e construindo com as comunidades locais teremos sucesso, e é isso que temos buscado fazer. O desafio envolve também as políticas públicas e o mercado, que tem o potencial de fazer com que muitas dessas oportunidades de negócios ganhem a escala necessária para a realidade amazônica.
O Fundo JBS pela Amazônia, assim como outras iniciativas dessa natureza, tem um papel primordial de alavancar oportunidades. Dessa forma, se dedica a financiar e apoiar iniciativas em três frentes: conservação e restauração da floresta, melhoria socioeconômica das comunidades locais e investimentos em pesquisa e desenvolvimento. O Fundo foi instituído pela JBS, e é aberto a outras empresas, entidades do terceiro setor e grupos multistakeholders. Já contamos com a adesão de XP Inc., Overseas Resources Foundation Limited, Aviagen América Latina e Elanco Foundation. Nossa meta é somar R$ 1 bilhão em recursos até 2030.
Há sete meses, anunciamos as primeiras iniciativas a serem financiadas e apoiadas tecnicamente. São três projetos da cadeia de produtos amazônicos — cacau, açaí e pirarucu — e três transversais — um para destravar e ampliar o acesso ao crédito rural para o pequeno produtor, outro para desenvolver um ambiente de empreendedorismo na Amazônia, e o último em parceria técnica com a Embrapa, que acompanha o pilar ciência e tecnologia do Fundo. Queremos fortalecer as cadeias locais, promover a organização do comércio das comunidades e aumentar a produção de maneira sustentável.
Já é possível ver resultados positivos com esses projetos. Graças ao RestaurAmazônia, da Fundação Solidaridad, se promove a profissionalização do mercado de cacau na região da Transamazônica por meio de assistência técnica e infraestrutura a 1.500 famílias. Inclusive, um produtor apoiado pelo projeto ganhou o segundo lugar em uma competição que reconhece o melhor cacau do mundo. O projeto Pesca Justa e Sustentável, da Associação dos Produtores Rurais de Carauari, será capaz de fortalecer a cadeia do pirarucu com a compra de uma embarcação para processamento do pescado, fornecendo melhores condições de deslocamento e ampliando as possibilidades de comercialização do produto, beneficiando 450 famílias.
Essas oportunidades surgem de projetos locais, desenvolvidos pelas comunidades amazônicas e muitas outras organizações parceiras. São elas que nos chamam a atenção para o fato de que o sustento da maioria dessas comunidades não acontece com um único produto, mas sim de uma cesta deles, um em cada época do ano — açaí, farinha, pescado, cacau, castanha, entre muitos outros. Eles demandam, porém, apoio para o desenvolvimento de cadeias robustas, o que só é efetivo com diálogo e trabalho colaborativo entre os moradores locais e todos os atores externos que buscam apoiá-los, sejam eles empresas, sejam entidades sem fins lucrativos.
Existem inúmeras formas de contribuir para ampliar oportunidades de negócios comunitários — por meio de financiamento, assistência técnica, promoção de infraestrutura, inserção em mercados que remuneram melhor e, sobretudo, novas tecnologias que alavanquem a eficiência na produção. A simples decisão de uma empresa incluir determinados produtos ou ingredientes oriundos da Amazônia em suas cadeias de suprimentos e pagar um preço adequado para os negócios da comunidade é uma contribuição relevante para o fortalecimento desses elos. Tudo isso, desde que os atores estejam dispostos a incluir as comunidades no desenvolvimento de projetos que destravem os obstáculos e visem uma economia regenerativa, escalável e sustentável. Essa decisão das empresas se encontra no âmago do escopo do que atualmente se denomina ESG, sobretudo no aspecto ambiental e social. O Fundo JBS pela Amazônia está disposto a apoiar iniciativas que ajudem a construir esses caminhos.
*Joanita Maestri Karoleski é presidente do Fundo JBS pela Amazônia e conselheira consultiva do Instituto Mulheres do Varejo. Andrea Azevedo é diretora de Programas e Projetos do Fundo JBS pela Amazônia e conselheira da Conservação Internacional (CI) do Brasil.
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