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Denis Zanini Lima: Lula e o discurso do rei

Assim como George VI teve que superar a gagueira para enfrentar o rádio, o presidente precisa repensar sua estratégia nas redes para se manter competitivo na guerra de narrativas

Agentes públicos, hoje, são avaliados pelo arco narrativo construído nas mídias sociais  (Anna Moneymaker/Getty Images)

Agentes públicos, hoje, são avaliados pelo arco narrativo construído nas mídias sociais (Anna Moneymaker/Getty Images)

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Publicado em 3 de abril de 2023 às 17h51.

Última atualização em 3 de abril de 2023 às 18h22.

Forjado nas assembleias metalúrgicas do ABC, Lula aprendeu desde cedo que o domínio da comunicação é essencial para legitimar pautas de seu interesse, liderar a articulação de apoios e ganhar autoridade.  

Os anos dialogando com operários, empresários, jornalistas, parlamentares, clérigos e eleitores permitiram que desenvolvesse um discurso persuasivo, temperando-o ao sabor da audiência. 

Contumaz orador, Lula consegue, com certa naturalidade, nortear o rumo da conversa em entrevistas, debates, reuniões, congressos, e, principalmente, em palanques, onde se agiganta.  

Contudo, como qualquer criança sabe, todo gigante tem seu João do Pé de Feijão. E o de Lula chama-se redes sociais.  

Youtube x caixas de laranja 

Quase 50 anos se passaram desde os primeiros comícios do Estádio 1º de Maio e, em plena era dos púlpitos virtuais, Lula parece ser aquele cara que ainda prefere discursar em cima de um caixote de laranjas na praça, do que fazer uma live para milhares de pessoas no Youtube. 

(Um político raiz e humano, dirão alguns. Um político analógico e atrasado, dirão outros. E ambos estão corretos). 

Isso porque, embora não seja um ludista digital, é nítido seu desconforto para se moldar aos tempos líquidos, que exigem dos políticos total entrosamento com novas tecnologias e interações constantes nas plataformas.   

Já há alguns anos, agentes públicos não são mais avaliados por aquilo que é veiculado na TV, rádio, revista ou jornal, mas sim pelo arco narrativo construído nas mídias sociais. 

Diante desse cenário, Lula resolveu delegar a administração de suas redes para uma equipe profissional. Uma decisão acertada a princípio, mas que vem se mostrando parcialmente equivocada na sua condução. 

Acertada pois, diariamente, o staff presidencial faz uma ostensiva cobertura da agenda do executivo, com farta produção de fotos e vídeos para Instagram, Facebook, Instagram, Youtube e quetais. 

O conteúdo caprichado – tendo Lula como protagonista em terceira pessoa - rende milhares de visualizações, uma avalanche de curtidas e comentários e publicidade aos feitos do governo.  

Então, onde está o suposto equívoco? 

A semana do presidente 

O erro está em administrar as redes sociais como veículos de massa de mão única, com conteúdo pasteurizado, meio distante, como se fossem emissoras de TV.  

Não são.  

Redes sociais são recíprocas e por isso muito mais complexas e orgânicas, envolvendo contrapartidas que os canais tradicionais não comportam. 

Isso implica em saber captar o humor da audiência, criar quadros interativos para otimizar engajamento, surfar tendências, surpreender os seguidores com boas sacadas, enfim, entender o flow do jogo a cada momento. 

Ao terceirizar suas redes sociais, Lula ganha profissionalismo e consistência, mas perde em humanização e autonomia, duas de suas características mais marcantes.  

O grande desafio parece ser calibrar a linguagem para um tom mais contemporâneo e menos institucional, que o coloque juntamente com outros integrantes do governo como interlocutores ativos no debate público, de forma mais propositiva e pessoal. 

O que está sendo feito atualmente não difere muito da “Semana do Presidente”, programete que a TVS (atual SBT) exibia para adular presidentes de outrora. 

Esse estilo de cobertura oficial, meio protocolar, meio ufanista, funciona até certo ponto, mas não fura bolhas e mostra apenas aquilo que a militância quer ver. Ou seja, está apenas semeando a palavra entre os fiéis. 

Acontece que o presidente não governa somente para seus eleitores, mas para todos os cidadãos. E não custa lembrar que no canto oposto do ringue está o ex-presidente Bolsonaro, com muito mais seguidores e engajamento, que continua controlando um naco significativo da narrativa nas redes. 

É compreensível que a atribulada rotina de chefe de Estado e sua falta de intimidade com gadgets, minimize a possibilidade de Lula sacar o celular para tirar uma selfie, fazer uma live. 

Mas se ele quer realmente virar o jogo no campo virtual – onde se desenrola todo o teatro político e social do país - é preciso repensar a estratégia de uso das redes dentro de sua agenda pessoal e profissional. 

Fuscas, violões e podcasts 

Um exemplo prosaico: em fevereiro, em missão no Uruguai, Lula aproveitou para visitar o ex-presidente José Mujica, onde foram fotografados e filmados passeando no famoso fusca azul do uruguaio. Um grande sucesso. 

Mas, tivesse recebido o devido treinamento, Lula faria uma selfie dentro do carro para o Instagram, um vídeo para o TikTok e uma live no Youtube para capturar a audiência do momento.  

O mesmo poderia ter sido feito com Chris Martin, vocalista do Coldplay, que presenteou o presidente com um violão. Ao migrar a perspectiva do fato de terceira para primeira pessoa, a repercussão seria muito maior. 

Lógico que não estamos falando sobre transformar Lula em blogueirinho.  

O protagonismo para as redes vai muito além de selfies e dancinhas, englobando, por exemplo, uma agenda com participações regulares em pod/vlogcasts e lives próprias. 

Desde que assumiu, Lula deu entrevistas para CNN, Bandeirantes, UOL e até a Brasil247, mas não contemplou nenhum podcast, sendo que alguns, como o Flow, tem mais de 640 milhões de visualizações acumuladas. 

Nesses programas, ele poderá falará horas para parte de um público generalista e não militante que se informa exclusivamente pelas redes e pouco sabe sobre sua biografia e planos de governo, já que sua presença nas mídias sociais é relativamente recente. 

As lives periódicas – como as que Bolsonaro fazia - também são formas eficientes de manter a audiência engajada. O ex-presidente provou que não é necessário convocar as flopadas cadeias de rádio e TV para (tentar) se comunicar com os brasileiros. 

O discurso do rei 

A relutância de Lula em abraçar as redes sociais como deveria traz certo paralelo com a situação vivida pelo rei George VI, do Reino Unido, nos meses que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Essa passagem da sua vida foi contada no filme “O Discurso do Rei”. 

Após a morte de seu pai e a renúncia do irmão mais velho, George, um gago convicto, assumiu o trono e se viu diante do desafio de fazer discursos regulares para milhões de súditos via rádio (as redes sociais da época) em um período de extrema tensão social e política. 

Uma fala titubeante, cheia de engasgos, poderia transmitir uma mensagem de fragilidade à população, aos países aliados e aos inimigos, comprometendo o futuro do Reino Britânico. 

Depois de várias tentativas frustradas, George só destravou a fala com Lionel Logue, um ator e fonoaudiólogo sem formação acadêmica, dono de métodos pouco ortodoxos.  

Ao acatar o tratamento, mostrar suas vulnerabilidades e ir a fundo no problema, George superou o medo do microfone e se tornou um grande orador.  

Voltando à atualidade, Lula não tem gagueira para ser tratada, mas tem que superar o impasse com as mídias sociais para vencer a guerra de narrativas que apenas se inicia. E para manter a moral da tropa elevada e chegar ao seu objetivo, ele tem que compreender melhor seu papel nas redes, estando 100% presente, treinado, e com total domínio estratégico e tático de seu funcionamento.  

Resta saber se terá disposição para tal. 

*Denis Zanini Lima é diretor de Redes Sociais da Bússola e CEO da Ynusitado Digital Marketing Intelligence 

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