Bolha de empregabilidade pode ser comparada ao boom do petróleo (krugli/Getty Images)
Bússola
Publicado em 16 de novembro de 2022 às 19h00.
O boom das startups brasileiras seguido da reação das empresas tradicionais gerou uma bolha de empregabilidade para algumas profissões no Brasil que eu, particularmente, vivenciei no boom do petróleo e da construção civil no Rio de Janeiro Pré-Olimpíadas 2016. A onda sem precedentes de contratações agora é seguida por notícias recorrentes de layoffs (reduções de quadro) nas mais diversas organizações.
Faço essa comparação porque os sintomas são bem parecidos e me permitem interpretá-los por uma ótica de quem sempre esteve do lado do RH nessa história. Nos idos anos 2010 eu era responsável pelo RH de uma operação enorme no Rio de Janeiro e o que eu recebia de notícias era que o volume de vendas explodiria, que precisávamos de mais turmas de produção, que não tínhamos gente suficiente.
O que complementava estas informações era que, do outro lado da mesa, estava meu time de recursos humanos se equilibrando entre a onda sem fim de recrutamento e uma onda de saídas de pessoas sem precedentes com destino a todo tipo de empresas: Shopping centers, óleo e gás, estaleiros, construção civil, hotelaria e outras inúmeras.
Qualquer semelhança com o que estamos vivendo nos últimos três anos no Brasil não é mera coincidência. Se trata da mesma euforia e do mesmo movimento pendular que sempre é causado pela entrada massiva de capital nas empresas e pelo otimismo exacerbado com a direção que alguns setores da economia tomaram.
Ambos os movimentos têm característica de bolha e, de tudo que podemos descrever sobre uma bolha, talvez a característica mais evidente é que inexoravelmente ela estoura e as consequências mais duras sempre ficam do lado mais frágil da equação: as pessoas.
Chego então ao ponto central deste artigo: Como nós, profissionais de RH, podemos nos organizar para que os movimentos de contratação e demissão sejam menos truculentos ao longo dos meses e dos anos? Sabemos que eles irão ocorrer, mas é possível dizer que podemos construir uma série de capacidades organizacionais para que eles sejam suavizados e parte natural da evolução de qualquer negócio.
Costumo dizer que a característica mais forte de qualquer RH bem estabelecido é a previsibilidade de seus movimentos. As pessoas se sentem mais seguras e acolhidas quando o RH se movimenta com menos emoção do que a média das áreas de negócio.
Para o caso que estamos discutindo aqui, a ferramenta que traz essa previsibilidade é o Workforce Planning (planejamento de força de trabalho).
Inicialmente podemos pensar que workforce planning é simplesmente o cálculo de quadro de pessoal de um negócio. Quantas pessoas são necessárias e em quais áreas. Podemos inclusive argumentar que o mundo hoje em dia é uma sopa de letrinhas do VUCA em migração para o BANI e que, portanto, é impossível prever no longo prazo as necessidades do negócio e o dimensionamento dos times. Discordo veementemente desse “vuco vuco”.
Primeiramente porque não se pode misturar a agilidade necessária ao ambiente de negócios atual com baderna. Não se refaz do zero um planejamento a cada trimestre ou semestre. Nenhuma área de negócio é capaz de fazê-lo então não esperemos que o RH o faça.
Em segundo lugar, a capacidade de enxergar os movimentos do negócio em prazos mais longos é justamente o diferencial competitivo e a principal característica de resiliência das organizações que triunfam ao longo dos anos. Recalibrar estes planos, a partir de uma linha mestra bem delineada, faz parte do jogo, mas reconstruí-los do zero a cada semestre não.
Retomemos então o workforce planning. Inicialmente devemos considerar os objetivos de negócio a longo prazo. Para onde a organização vai se mover? Quais áreas precisam ser reforçadas e quais áreas tendem a perder espaço? Esta discussão precisa acontecer no nível estratégico da organização, com o RH sentado na mesa e não no cardápio.
Os indicadores que pautam a discussão devem ser indicadores de negócio: taxa de investimento, volume de vendas, índices de performance, lucratividade, custo, despesa. Estes indicadores vão delinear o planejamento de pessoas.
A partir de então, é necessário entender como as mais diversas áreas vão se organizar para que este plano seja alcançado. Quais atividades serão centralizadas? Qual o grau de automação? Geograficamente, os times vão se distribuir de qual maneira? Haverá modalidade de trabalho remoto ou flexível para todos? Ir gradativamente respondendo a estas perguntas permite que tracemos os primeiros contornos do plano de pessoas.
Boa parte dos planos estratégicos das organizações conseguem alongar suas visões ao menos cinco anos, com recortes e revisões anuais. Sugiro que o planejamento de pessoas se organize exatamente da mesma maneira. Uma visão mais abstrata de longo prazo acompanhada de recortes mais precisos, num horizonte de até dois anos.
Ter clareza dos próximos dezoito a vinte e quatro meses faz com que os movimentos de pessoas, sejam eles de aumento ou redução de quadro, sejam mais planejados e calculados. Movimentos bruscos são substituídos por pequenos movimentos na direção que o negócio precisa ao longo dos meses e de maneira antecipada.
A razão disto é que para fazer um planejamento de longo prazo, uma das perguntas que precisa ser feita é: as pessoas que estão na nossa organização têm as habilidades necessárias para as demandas dos próximos anos? Temos conhecimento instalado para aquilo que o negócio vai nos exigir?
As respostas destas perguntas é que vão definir como as vagas vão se comportar e qual o equilíbrio entre recrutamento externo e movimentações internas. Inclusive, recomendo fortemente que a taxa de movimentos internos seja bem maior que a de recrutamento externo. Isto permite que sejamos mais eficientes como organizações, pois não necessariamente o quadro precisará crescer quando fazemos tais movimentos. Tal estabilidade nos gera dois efeitos: O primeiro é de carreira e realização de diversas pessoas e o segundo é o de fortalecimento da cultura organizacional.
Quando falamos de carreira, estamos falando de um dos maiores motivadores para que as pessoas fiquem em uma empresa e, portanto, um dos maiores remédios para as dores de rotatividade dos tempos atuais. Tendo um workforce planning bem amarrado com a requalificação, é possível migrar internamente pessoas para as áreas em crescimento e gradativamente enxugar outras áreas onde a demanda de pessoas será menor.
O segundo ponto é a cultura organizacional: Quando se planeja melhor os movimentos de pessoal, nossa tão valiosa cultura se preserva e se fortalece de duas formas. A primeira delas é a manutenção do histórico e do conhecimento de negócio. A segunda é um genuíno cuidado com as pessoas, que se materializa na medida que elas são desenvolvidas e recebem oportunidades de cuidar de novos desafios de crescimento da organização.
Sobre recrutamento externo, embora em menor proporção do que os movimentos internos, é sempre saudável que tragamos talentos, diversidade, ideias e novos conhecimentos para o negócio. Na medida certa e com o acolhimento devido, não faz e nunca fará mal. Pelo contrário.
Vale dizer também que assim como crescer no quadro, por vezes reduzir é necessário. Quando se tem os números em mãos, é mais fácil não recrutar do que desligar. Corrigir a curva para frente permite que ações simples e efetivas simplesmente não afetem ninguém, como cancelar um programa de recrutamento externo ou simplesmente não trabalhar algumas vagas. Temos de ser mais responsáveis como organizações.
Encerro por aqui querendo deixar marcado um recado final muito óbvio no discurso, mas nem tanto na prática. Problemas de negócio e problemas de pessoas não são coisas separadas e sim exatamente a mesma discussão. Abordar o planejamento da sua organização desta forma fará com que as páginas de jornal que você ocupa não sejam as sobre demissões em massa e sim as sobre exemplos de cuidar de gente.
*Daniel Spolaor é CEO da escola Koru
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