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Crime transnacional

A estrutura criminosa no Brasil ficou sofisticada, com níveis de governança e ampliou sua atuação no país e na América Latina

Tentáculos do crime organizado são sentidos nas cidades sitiadas (Leandro Santana/Ascom PCPA/Divulgação)

Tentáculos do crime organizado são sentidos nas cidades sitiadas (Leandro Santana/Ascom PCPA/Divulgação)

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Publicado em 18 de maio de 2022 às 16h40.

Última atualização em 18 de maio de 2022 às 18h10.

Por Edson Vismona 

A atuação de organizações criminosas em nosso país é conhecida por toda a sociedade e vem sendo combatida pelas forças policiais e de inteligência, Ministério Público (federal e estaduais), Receita Federal e Judiciário. 

Desde o início desse século, entretanto, constatamos não só o crescimento em termos de presença nas nossas fronteiras (articulando o contrabando, especialmente de cigarros e o tráfico de drogas e armas) e nas cidades, mas também como expressão de poder financeiro, logístico e no uso de armas pesadas, enfrentando o Estado. 

A estrutura criminosa ficou sofisticada, com níveis de governança, ampliando sua ação em todas as regiões do Brasil e avançando por países da América do Sul, aumentando seu poder e, segundo o relato de especialistas em combate ao crime organizado, infiltrando – se nos três poderes da República e influenciando eleições. 

Os tentáculos são sentidos nas cidades sitiadas pelo que se denomina “novo cangaço” que promovem o roubo de bancos, de empresas de transporte de valores e criam reserva de mercados nas comunidades comercializando cigarros, carga roubada, TV a cabo, imóveis, estruturam o tráfico de drogas e armas, distribuição de combustível, gás e eletricidade. Ocupam o espaço que deveria ser do Estado. 

Já tivemos cenas insólitas de “salves” paralisando a maior cidade do Brasil e articulando rebeliões em presídios por todos os Estados da federação.  

Essa realidade demonstra que devemos investir mais e melhor no seu combate de modo coordenado, com uso de informação e inteligência, especialmente para atingir a movimentação financeira e as operações de lavagem de dinheiro. 

Avançamos com a criação dos GAECOS no Ministério Público; Centros de Inteligência e Controle nos Estados; da Secretaria de Operações Integradas e do Centro Integrado de Operações na Fronteira no Ministério da Justiça e Segurança, Programa de Proteção Integrada de Fronteiras no Gabinete de Segurança Institucional, mas faltou o fortalecimento do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras. 

A compreensão da dimensão do problema deve auxiliar na identificação dos meios para combatê-lo. Toda a estrutura estatal existente deve ser cada vez mais integrada e coordenada, com utilização da tecnologia, cruzando informações e mapeando as áreas de atuação do crime, colhendo dados e, fundamental, compartilha – los entre as instituições. 

Tive a oportunidade de visitar o Centro Nacional de Coordenação dos Direitos de Propriedade Intelectual dos Estados Unidos (IPR Center) e constatar uma experiência muito interessante: um espaço que congrega permanentemente representantes de 25 agências federais americanas e dos governos canadense e mexicano, avaliando ameaças, definindo ações e compartilhando informações, esse último ponto, na visão dos americanos e também pelo que identificamos no Brasil, é o maior desafio. Quem tem a informação resiste em partilhar, criando sérios obstáculos para as ações. Em uma palestra, o Secretário da Justiça americano, disse que o 11 de setembro demonstrou quão danosa pode ser a falta da troca de informações entre agências. 

No Brasil, o Tribunal de Contas da União apresentou, em 2018, relatório avaliando a aplicação de recursos no controle das nossas fronteiras e fez recomendações importantes para os responsáveis pela segurança: Desenvolvimento de trabalho integrado e coordenado entre agências; promoção de coalizões; enfrentar diferenças, identificar conflitos, mapear processos. 

No âmbito interno, a promoção dessas iniciativas representa um grande desafio, entretanto há que se considerar que devemos encarar um repto ainda mais complexo, empreender essa atitude cooperativa entre países, que também sofrem com a presença de organizações criminosas atuando em seus territórios, desafiando a soberania e afrontando a segurança pública. Argentina e Paraguai já identificaram ações estruturadas por ramificações da mais articulada facção criminosa brasileira. As autoridades argentinas apontam, inclusive, ligações com o Hezbollah que fortaleceu a logística para o tráfico internacional de drogas e armas. 

As ações dos criminosos são cada vez mais ousadas. Triste exemplo ocorreu recentemente com o homicídio do promotor paraguaio, Marcelo Pecci, que atuava no combate ao crime organizado e, não podemos esquecer, o assassínio do juiz brasileiro Antonio Machado Dias, que desempenhava a função de corregedor de presídios no interior de São Paulo em 2003. Esses crimes e as constantes ameaças sofridas por promotores, juízes e policiais que combatem as facções criminosas no Brasil e nos países da América Latina atestam que é urgente uma conexão mais intensa das forças policiais e de inteligência entre os países.  

Para combater o crime transnacional é imperioso que haja ações institucionais permanentes que permitam a interação entre governos, ministérios públicos e poderes judiciários. Certamente, questiúnculas ideológicas não podem obstar o fortalecimento dessa estratégia de defesa da segurança pública latino - americana. 

*Advogado, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade; do Instituto ETCO e do Instituto Brasil Legal. Foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. 

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame. 

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