Bússola

Um conteúdo Bússola

Covid abriu desigualdades, mas fortaleceu solidariedade, diz executiva

Make-a-Wish se dedica a transformar as vidas de crianças e adolescentes com doenças graves por meio da realização de seus sonhos

Durante a pandemia, terceiro setor precisou focar no mais urgente (SXC/Divulgação)

Durante a pandemia, terceiro setor precisou focar no mais urgente (SXC/Divulgação)

B

Bússola

Publicado em 25 de novembro de 2022 às 18h15.

Ao mesmo tempo em que a pandemia da covid-19 escancarou as desigualdades no Brasil, fortaleceu a solidariedade. Instituições não governamentais focaram nos problemas mais urgentes, como arrecadação de alimentos para garantir o básico para as parcelas mais vulneráveis da sociedade, mas ainda assim o terceiro setor sofreu durante o período. De acordo com pesquisa realizada pela CAF America que reuniu respostas de 806 ONGs de 152 países, para 93,07% suas instituições foram impactadas negativamente pela pandemia.

Para Thais Bernardini, diretora executiva da Make-a-Wish Brasil, organização sem fins lucrativos que se dedica a transformar as vidas de crianças e adolescentes com doenças graves por meio da realização de seus sonhos, a escassez da doação em um modelo de negócio das organizações centrado em doações, uma burocracia enorme com a tributação de doações e um ambiente que não incentiva pessoas e empresas a doar, a instabilidade econômica das organizações é uma constante.

A história de Thais no terceiro setor vem desde sua infância, quando sua mãe atuava no contraturno de uma ONG em uma região vulnerável na Zona Oeste de São Paulo. A executiva começou dando aulas de bijuterias para as mães das crianças que frequentavam a instituição confeccionarem e venderem suas peças para terem renda.

Em 2014, Thais se uniu ao CLP (Centro de Liderança Pública), onde trabalhava na formação de novos gestores para viabilizar as transformações estruturais no Setor Público. Depois de uma jornada de quatro anos na instituição, assumiu a posição de diretora executiva na Make-A-Wish Brasil. “A jornada tem sido repleta de desafios acumulados por conta da pandemia, porém com muito aprendizado e contando com o apoio de gente que ama a causa e faz o seu melhor para podermos avançar e cumprir com nossa missão”, afirma.

Confira a entrevista completa com a executiva do terceiro setor falando sobre o período da pandemia, caminhos para o terceiro setor e perspectivas para 2023:

Bússola: Por depender de apoio de terceiros, o período da pandemia foi difícil para o terceiro setor como um todo? Como foi passar por esse momento? Já houve uma retomada?

Thais Bernardini: Sim, o período da pandemia foi muito difícil. Se por um lado escancarou as desigualdades que temos no Brasil, também gerou o senso de urgência em se fazer alguma coisa a respeito. E nessa linha, organizações que atuam na linha de frente em causas urgentes como o combate à fome e à pobreza ganharam muita força e arrecadaram muitos recursos.

Para nós, que por muito tempo fomos percebidos com uma organização mágica, que realiza sonhos, a situação tem sido bem difícil. Enfrentamos uma queda brusca de doações de produtos para sonhos e doação de recursos financeiros, perdemos voluntários, tivemos que reduzir a equipe, porém nosso foco era claro: seguir realizando os sonhos de crianças com doenças graves, pois sonhos transformam vidas. E se a pandemia estava sendo difícil para nós, imagina para essas crianças e suas famílias? Muitos passaram a viver em pleno isolamento, tiveram seus tratamentos afetados, e perderam o pouco da leveza que ainda tinham em suas vidas e que os ajudavam a seguir adiante.

Na época da pandemia, quem assumiu a direção da organização foi o Salim Tannus, fundador da Make-A-Wish Brasil, e ele traçou um plano audacioso para chegarmos em todas as crianças inscritas. Tivemos apoio da Make-A-Wish Internacional e de doadores incríveis neste período e assim foi possível realizar sonhos em plena pandemia. Seguimos à risca todas as orientações do nosso Conselho Médico e fizemos um bom trabalho. Entre 2020 e 2021 chegamos a 530 crianças. 2022 foi um ano de muitas mudanças e estamos nos restabelecendo. A retomada ainda não veio, porém, estamos confiantes que em 2023 se ouvirá falar muito na Make-A-Wish Brasil.

Bússola: O fim do ano é um momento em que o olhar das pessoas está muito voltado para histórias do terceiro setor, é um período importante para a instituição? Quais os planos para o Natal e esse fim de ano?

Thais Bernardini: Para nós, o final de ano é sempre uma surpresa. Nossa única certeza é que temos muitos sonhos para realizar e que queremos fazer de tudo para chegar ao máximo de crianças. Com isso em mente, recentemente formamos mais um grupo de voluntários, estamos abrindo muitas frentes para viabilizar doações, participaremos de eventos e bazares e estamos nos conectando com pessoas e empresas que queiram nos ajudar a promover um Natal Mágico para nossas crianças e suas famílias.

Historicamente, final de ano é quando mais recebemos doações – talvez pela questão emocional da ocasião, ou mesmo pela maior disponibilidade de recursos por conta do 13º salário e sobras de orçamentos das empresas. Este ano ainda não temos o mesmo fluxo dos anos pré-pandemia, porém estamos focados em cumprir com nosso propósito, levando força, alegria e esperanças para as crianças com doenças graves.

Bússola: Quais os maiores desafios para o terceiro setor no Brasil? Como mitigá-los, na sua opinião?

Thais Bernardini: Na minha opinião e vivência, identifico alguns desafios para o desenvolvimento e fortalecimento do Terceiro Setor no Brasil e eles estão interligados. A cultura de doação no país ainda é muito frágil, e existe uma percepção de que se eu faço uma doação, não devo falar sobre o assunto. Porém, se a gente não falar no assunto, como a gente cria uma cultura de doação? Como a gente estimula outras pessoas a doar?

Com a escassez da doação, da prevalência do modelo de negócio das organizações ser centrado em doações, e uma burocracia enorme com a tributação de doações e um ambiente que não incentiva pessoas e empresas a doar – e se doar que seja para o projeto e não para a organização usar para se desenvolver – temos a instabilidade econômica das organizações sempre constante. Com isso, o investimento na equipe e na própria organização é limitado.

Ainda assim, acredito que estamos evoluindo. E uma coisa muito importante é que as ONGs estão aprendendo a trabalhar em rede, de forma colaborativa, criando um ecossistema sólido para o desenvolvimento e implementação de melhores práticas.

Porém, para conseguirmos dar um salto, é necessário um ambiente mais favorável à atuação das organizações, com isenção de tributação de doações, facilitando o acesso a recursos incentivados, revendo os enquadramentos das organizações, apoiando o desenvolvimento de negócios sociais que ajudem a sustentar a operação, sem que sejam tributados como um negócio que visa lucros. Também temos que falar mais abertamente sobre doar. O impacto que isso faz na vida não só de quem recebe, mas também na de quem doa.

Bússola: O voluntariado corporativo é importante para a Make a Wish? Como funciona?

Thais Bernardini: Muito importante. E não apenas para a Make-A-Wish Brasil, mas também para a empresa que participa. Este ano tivemos alguns projetos muito importantes com empresas como a QMC Telecom, a Assurant e a Enel. Para nós a importância está no fato de conseguirmos ampliar nosso impacto de forma organizada, com planejamento, prazo determinado para o sonho ser realizado, com a captação do sonho garantida.

Para a empresa, temos o treinamento dos colaboradores dentro da metodologia da Make-A-Wish Brasil, os desafiamos a pensar no outro, planejar o sonho do outro, usando ferramentas de design thinking, e para isso, o time cria uma conexão com a criança e amplia sua visão de mundo ao vivenciar algo totalmente novo. Além disso, eles precisam trabalhar bem em equipe, e acabam desenvolvendo e aprimorando habilidades. É uma experiência transformadora.

Bússola: Como as empresas podem apoiar a Make a Wish e o terceiro setor?

Thais Bernardini: Um dos principais desafios nas relações entre empresas e terceiro setor é que elas na maioria das vezes se pautam em projetos. Dificilmente vemos relações duradouras entre empresas e terceiro setor. O nosso cuidado enquanto organização é tentar nos conectar com empresas que compartilhem dos nossos valores e entendam o impacto do nosso trabalho. Pois estas são as melhores parcerias. Posso citar algumas empresas que nos apoiam há alguns anos, e todos são parceiros incríveis, como o Outback, a Latam, a Vivara, a Playstation, a Accor, entre tantos outros.

As parcerias duradouras nos permitem planejar, nos permitem avançar. Atualmente temos atuado de forma mais completa junto a empresas. Além de Voluntariado Corporativo, temos eventos, produtos sociais, Team Building, Palestras, Desafios de Captação de Recursos, a possibilidade de se fazer doação abatida do holerite, ou adotar um sonho. Conseguimos planejar ações integradas. Hoje só não ajuda quem não quer – ou quem não acredita no poder transformador de um sonho.

Bússola: Quais os principais projetos da instituição para o próximo ano?

Thais Bernardini: Em 2023 a Make-A-Wish Brasil completará 15 anos. E como uma organização que realiza sonhos, uma das coisas que queremos retomar é o nosso adorado Gala. Afinal, uma organização sem fins lucrativos completando 15 anos no Brasil tem muito a celebrar. Em abril celebramos o mês mundial dos sonhos: 42 anos do sonho que deu origem à Make-A-Wish em Phoenix, nos EUA.

Além disso, estamos estruturando comitês executivos para nos ajudar a avançar em questões críticas para a organização. Um dos nossos focos é estreitar o nosso relacionamento com a comunidade médica e com empresas que atuam na área da saúde. Temos muitos estudos que foram desenvolvidos por outras afiliadas para mensurar o impacto de um sonho, mas queremos ter uma pesquisa nacional. E sabemos que precisamos de fortes parceiros para isso.

Também queremos realizar atividades que promovam a organização, a fim de atrair mais parceiros e voluntários, para assim chegar a mais crianças, como eventos esportivos, piqueniques, exposições, etc.

Nossa meta é chegar ao final do ano com ao menos 400 sonhos realizados. Quem vem com a gente?

Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube

VEJA TAMBÉM:

Acompanhe tudo sobre:DiversidadeEntrevistaMulheresONGsqualidade-de-vidaSaúdeServiço social

Mais de Bússola

Entidades alertam STF para risco jurídico em caso sobre Lei das S.A

Regina Monge: o que é a Economia da Atenção?

Brasil fica na 57ª posição entre 67 países analisados no Ranking Mundial de Competitividade Digital 

Gilson Faust: governança corporativa evolui no Brasil, mas precisa de mais