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COP27: economia de baixo carbono requer mudança em produção e consumo

Para o secretário especial de Produtividade e Competitividade, Alexandre Ywata, Brasil deve incentivar sistemas produtivos menos intensivos em recursos naturais

Empresários precisam ter segurança para investir em sustentabilidade (Arquivo/Exame)

Empresários precisam ter segurança para investir em sustentabilidade (Arquivo/Exame)

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Publicado em 23 de novembro de 2022 às 12h54.

Última atualização em 23 de novembro de 2022 às 12h57.

Ao final da COP26, em Glasgow, na Escócia, o Brasil assumiu compromisso de reduzir 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030 e neutralizar as emissões de carbono até 2050. A meta ambiciosa depende de uma ação conjunta de vários agentes, incluindo o governo, a indústria e a sociedade, e requer uma mudança na produção e no consumo.

Para o secretário Alexandre Ywata, da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec), do Ministério da Economia, “o alcance efetivo de uma economia de baixo carbono depende de uma mudança urgente nos padrões vigentes de produção e de consumo para padrões mais responsáveis, com menos impactos socioeconômicos e ambientais e consequente redução da pegada ecológica.”

Em entrevista exclusiva à Bússola, ao final da COP27, Ywata falou sobre a importância de se criar um ambiente de negócios seguro para que os empresários possam fazer os investimentos necessários para caminhar em direção à sustentabilidade. Segundo ele, o Brasil reúne todas as condições para cumprir com os compromissos assumidos na Escócia.

Bússola: O grande objetivo das reuniões da COP é discutir os efeitos e buscar soluções para as consequências das mudanças climáticas. Como o senhor enxerga o Brasil dentro desse cenário? O país tem desenvolvido ações que de fato impactam no desenvolvimento de uma sociedade mais sustentável e ao mesmo tempo economicamente viável?

Alexandre Ywata: Eu enxergo o país bem posicionado em relação a outros países quando se trata de questões climáticas. Principalmente em relação aos países mais desenvolvidos.

Temos uma matriz energética das mais limpas do mundo, com cerca de 85% de fontes renováveis; uma matriz de combustíveis com forte presença de biocombustíveis, que são renováveis e reduzem a nossa dependência de combustíveis fósseis. Nessa agenda, mesmo com matriz energética muito limpa, o país tem evoluído muito nos últimos cinco anos na implementação de fontes eólicas e solares. Hoje, essas fontes já representam mais de 10% da matriz elétrica brasileira, sendo que há dez anos essas fontes eram insignificantes. Temos ótimas perspectivas para implementação das geradoras eólicas offshore, fato que vai aumentar bastante a participação das fontes renováveis.

Igualmente, temos também amplas possibilidades de implementar a indústria do hidrogênio sustentável no país, que é um energético renovável que pode ser utilizado na indústria e nos transportes. O Brasil já está formatando o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), uma iniciativa que almeja contribuir de forma significativa para que o país siga na rota do desenvolvimento sustentável, com o aumento da competitividade e da participação do hidrogênio na matriz energética brasileira.

Além disso, temos uma agricultura forte, com alta produtividade em relação a outros países no mundo, o que significa também menos emissões de gases de efeito estufa no processo produtivo e maior ocorrência do efeito poupa-terra, que pode ser entendido como mais produção e produtividade, maior segurança alimentar e com menor desmatamento. Vale lembrar que o Brasil é um dos principais países que contribuem para a segurança alimentar mundial. Nessa área, temos o Plano ABC+ que é um plano bastante robusto para reduzir drasticamente as emissões de carbono no setor agrícola.

No campo florestal, acredito que podemos avançar bastante nas políticas de preservação e reflorestamento. Temos um rigoroso código florestal bastante avançado em relação aos outros países do mundo onde os proprietários têm que preservar entre 20% e 80% da mata ou floresta nativa dependendo do Bioma. Na Amazônia, por exemplo, esse índice é de 80%. Reconhecemos que o controle e fiscalização é bastante complexo naquela região, mas existe o CNAL (Conselho Nacional da Amazônia Legal), presidido pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que articula as ações de fiscalização e controle junto com as forças armadas e os órgãos competentes. Há também uma base legal para implementação de políticas de pagamento por serviços ambientais que acreditamos será um vetor importante para preservação das nossas florestas.

Nesses últimos anos, a Sepec tem desenvolvido ações importantes para que alcancemos um desenvolvimento mais responsável para o nosso país, respeitando as especificidades e os desafios que temos. Podemos citar, por exemplo, a participação efetiva de nossa Secretaria Especial na elaboração do Programa Nacional de Crescimento Verde (PNCV). Dentro dele, contribuímos para o desenvolvimento da bioeconomia nacional atuando firmemente no aprimoramento do Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), cujo objetivo é criar alternativas econômicas mediante a inovação tecnológica para o melhor aproveitamento econômico e social da biodiversidade amazônica, de forma responsável.

Outra ação importante da Sepec foi a participação na elaboração do novo marco regulatório das ferrovias brasileiras para adaptar o ordenamento jurídico nacional à nova realidade dos meios de transportes no país. A maior participação do transporte ferroviário na matriz de transportes brasileira é importante para que possamos atingir nossas metas de redução das emissões de gases de efeito estufa.

Podemos ainda citar a nossa liderança na aprovação do novo Marco Regulatório do Saneamento do Brasil que visa estimular a concorrência, a desestatização do setor e a privatização de empresas públicas estatais de saneamento, entre outras inovações importantes para enfrentar os desafios ambientais e de saúde pública causados pela insuficiência de saneamento em nosso País.

Temos também algumas parcerias importantes com o setor privado, como por exemplo a parceria da Sepec com a indústria cimenteira nacional em projeto piloto que visa a substituição do uso de combustíveis fósseis pelo aproveitamento de resíduos sólidos urbanos.

E estamos acompanhando de perto as negociações internacionais e discutindo internamente a implementação de um futuro mercado de carbono que, indubitavelmente, proporcionará projetos de preservação e conservação para as áreas florestais brasileiras.

Bússola: Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, antes, durante e depois da conferência. Isso porque o país reúne todas as condições para ser um dos líderes na transição para a economia de baixo carbono. No entanto, ainda há desafios enormes no que diz respeito à preservação e à emissão de poluentes. Resolver esses problemas é um objetivo alcançável? Quais são as expectativas para que isso se transforme em um cenário real?

Alexandre Ywata: Sem dúvida é um desafio enorme. O Brasil assumiu o compromisso de neutralidade das emissões no ano de 2050 e isso requer políticas imediatas para que empresas e famílias se adaptem a essa situação.

Há alguns setores que, por natureza, apresentam maiores dificuldades de descarbonização que outros. Esses setores precisarão comprar créditos carbono para que eles possam atingir neutralidade das emissões. Por isso é importante a constituição de um mercado de carbono robusto e confiável.

O governo já iniciou as discussões internas para a implementação tanto de um mercado regulado (setores obrigados por lei) quanto um mercado voluntário de acordo com as regras do Acordo de Paris. Na área industrial, deverá ocorrer fortes investimentos em inovação e tecnologia para que as indústrias atinjam essa neutralidade. E isso já está sendo feito, até mesmo em setores com difícil descarbonização como o setor siderúrgico e cimenteiro. A agricultura tem um plano ousado de redução das emissões de CO₂ para os próximos dez anos. Da mesma forma o setor energético e de transportes, com a evolução das fontes renováveis. No caso das florestas, o governo assumiu o compromisso de reduzir em 100% os desmatamentos ilegais até o fim da década.

No âmbito nacional e, no que diz respeito à preservação, temos uma legislação muito efetiva como por exemplo, o Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012) que é considerada uma das legislações mais completas do mundo e a Lei de crimes ambientais (Lei 9.605/1998). Podemos citar ainda grandes avanços conseguidos por meio da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997).

Outra legislação que vale ser ressaltada é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto 0.936/2022), que instituiu o sistema para a logística reversa de embalagens que se tornou obrigatória para fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de alguns tipos de produtos, dentre eles as embalagens de plástico e de vidro. Esses resíduos tiveram especial atenção pelo seu grande volume de inserção no mercado e no caso dos produtos derivados do plástico, devido ao seu significativo potencial de poluição, notadamente no ambiente marinho.

O forte legado jurídico ambiental do país, a cooperação internacional com demais Estados e organismos internacionais e um forte compromisso do setor privado e da sociedade civil nos ajudarão a superar esses desafios. Com a intensificação dessas ações, acreditamos que seja factível a neutralidade das emissões no prazo assumido pelo país.

Bússola: Ainda sobre esse tema, o Brasil tem metas agressivas para a redução de emissões de carbono até 2030, segundo os compromissos assumidos na COP 26. O setor de transportes pode colaborar muito para esse atingimento. Como o Brasil vem se preparando para isso?

Alexandre Ywata: No setor de transportes, as medidas têm que abranger políticas de redução da dependência dos combustíveis fósseis e a intensidade de carbono das tecnologias disponíveis. Já temos um forte programa de biocombustíveis que atende esse objetivo, seja substituindo gasolina por etanol, seja substituindo o diesel mineral por biodiesel. Mesmo que outros países caminhem para outras rotas tecnológicas, acredito que o Brasil tem que fortalecer a política de biocombustíveis já que temos grandes vantagens comparativas nesta área e muitos investimentos já foram realizados no passado.

Além disso, dentro da nossa Secretaria Especial, coordenamos o Programa Rota 2030 Mobilidade e Logística, levando em consideração que o setor automotivo global sinaliza profundas transformações, seja nos veículos e na forma de usá-los, seja na forma de produzi-los. Dentre os requisitos obrigatórios para a comercialização de veículos novos produzidos no Brasil ou a importação de veículos novos destacam-se a adesão a programas de rotulagem veicular de eficiência energética e de segurança e o cumprimento de metas de aumento da eficiência energética que implicarão na redução do consumo combustível médio dos veículos novos em pelo menos 11%. Também podemos destacar o aumento de 20% na produção de veículos eletrificados no país, até 2030.

Também já lançamos o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País (Renovar), voltado para renovação de frota de ônibus e caminhões e que trará uma maior eficiência ao setor de transporte em função da substituição de tecnologias antigas por tecnologias mais limpas.

Temos ainda grandes perspectivas para avanço da eletromobilidade e também a melhoria dos sistemas de transporte público para atrair demanda de usuários de automóveis, tornando os sistemas mais sustentáveis. O hidrogênio verde também pode se tornar um vetor importante na área de transporte, reduzindo a necessidade de uso de combustível fóssil.

Bússola: Durante a  COP27, durante o painel “Diálogo Empresarial para uma Economia de Baixo Carbono”, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, disse que o mundo precisa enfrentar, com urgência, dois desafios: a transformação dos modelos de produção e dos hábitos de consumo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e conter o aquecimento global e a adoção de medidas voltadas à adaptação e ao aumento da resiliência dos países aos devastadores impactos de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas. Como o Brasil tem se movimentado para superar esses desafios?

Alexandre Ywata: Entendemos que o alcance efetivo de uma economia de baixo carbono depende de uma mudança urgente nos padrões vigentes de produção e de consumo para padrões mais responsáveis, com menos impactos socioeconômicos e ambientais e consequente redução da pegada ecológica.

Torna-se importante estimular as mudanças nos padrões tecnológicos, assim como, a adoção, pela sociedade, de atividades sustentáveis que privilegiam a valorização econômica dos recursos naturais. É importante promover o desenvolvimento de sistemas produtivos menos intensivos em recursos naturais, os quais propiciam a expansão de empregos com qualidade, o aumento da produtividade e o surgimento de novos nichos de mercado, o chamado mercado verde.

Um vetor importante para superar esses desafios está ligado ao setor financeiro com a viabilização de linhas de investimentos favoráveis para os empreendimentos sustentáveis. Os bancos públicos e o próprio BNDES já estão focados nesse objetivo com linhas específicas para empresas e infraestrutura favorável.

Outro ponto importante se refere à modernização regulatória dos setores produtivos e de infraestrutura para recebimento de investimentos nesta área. E o Brasil avançou muito nos últimos anos com a modernização de marcos regulatórios nas áreas de saneamento ambiental, ferrovias, energia, saneamento, dentre outros.

Somente com um ambiente de negócios favorável e seguro é que fará com que os empresários realizem os investimentos necessários e levem suas empresas para o caminho da prosperidade e sustentabilidade. Da mesma forma, no setor agroflorestal, com regras claras e combate às ilegalidades, o país pode avançar bastante nas práticas de agricultura regenerativa e na preservação de áreas de florestas nativas.

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