Young businessman using laptop for analyzing data stock market. He is working from home office - Stock market, investment and cryptocurrencies concept (Getty/Getty Images)
Bússola
Publicado em 5 de dezembro de 2022 às 19h15.
Última atualização em 5 de dezembro de 2022 às 19h31.
Há algum tempo o trabalho fora das dependências do empregador passou a ser uma realidade em nosso cotidiano. Ainda que com diferentes roupagens (teletrabalho, home office, anywhere office etc.), o trabalho remoto teve sua implementação acelerada pela pandemia de covid-19 e atualmente é a principal forma de atuação em muitos segmentos do mercado.
Tal situação traz à tona uma das discussões historicamente mais presentes no âmbito da Justiça do Trabalho, qual seja, o controle de horários e o pagamento de horas extras. Segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, somente nos três primeiros meses de 2022 foram distribuídos mais de 91 mil processos discutindo horas extras, sendo que a temática ocupa o terceiro lugar no ranking de assuntos mais recorrentes em recursos levados ao tribunal.
No entanto, nem sempre a legislação trabalhista acompanha a evolução das formas de trabalho. A redação atual do trecho da CLT que prevê o trabalho externo, por exemplo, é de 1994, época em que o acesso a ferramentas como smartphones, GPS e à própria internet era escasso. Outro exemplo é o fato de que, até 2017, o teletrabalho não tinha regulamentação específica na CLT, o que deixava empresas e trabalhadores à mercê do entendimento de cada juiz ou de analogias legislativas.
Após um período de incertezas decorrentes de alterações legislativas e discussões sobre o controle de jornada dos empregados que trabalham fora do estabelecimento de seus empregadores, os últimos anos parecem ter sido decisivos para um encaminhamento.
No final de 2021, para acompanhar a evolução das formas de trabalho e, por conseguinte, dos respectivos registros de jornada, o Ministério do Trabalho e Previdência publicou a Portaria nº 671/2021, que trata das modalidades de registro eletrônico de ponto, merecendo destaque o “registro eletrônico de ponto alternativo” (REP-A) e o “registro eletrônico de ponto via programa” (REP-P).
Contudo, embora seja um instituto bastante novo e que ainda não foi discutido suficientemente pelo Poder Judiciário, é possível dizer desde já que a adoção do registro eletrônico de ponto via programa deve ser acompanhada de cautelas por parte do empregador.
A primeira cautela a ser mencionada diz respeito à fidelidade dos registros feitos pelo trabalhador remoto. Como o empregado está trabalhando longe da fiscalização direta do empregador, os registros de horário são aqueles informados pelo trabalhador e comumente não estão sujeitos à confirmação.
A fim de evitar que os registros sejam invalidados pelo Poder Judiciário em eventual ação trabalhista, o empregador deverá se certificar de que nenhum trabalho é feito em horário além daquele registrado. Outro ponto de atenção é a utilização dos equipamentos do trabalho fora do horário registrado, pois isso pode dar margem para alegações de que há trabalho após o registro, ainda que a utilização do computador, por exemplo, seja para fins pessoais.
Também é oportuno destacar a importância da adequação da ferramenta de registro de horários às características técnicas previstas na legislação. Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região condenou empregadora que, embora tenha apresentado relatórios das jornadas cumpridas pelo trabalhador, adotou ferramenta de ponto eletrônico que não atendia aos requisitos previstos em portaria ministerial.
Outra cautela diz respeito aos limites do exercício do poder de fiscalização do empregador e a privacidade do trabalhador remoto. Há ferramentas disponíveis no mercado que, por exemplo, registram uma fotografia do empregado — e, por consequência, do local onde ele está — no momento dos registros de horário. Embora isso seja incipiente, há riscos, ainda que baixos, relacionados à invasão da privacidade e de danos extrapatrimoniais. Ainda há ferramentas que registram a localização exata do empregado no momento do registro, o que também pode ser alegado como violação ao direito de privacidade.
Ainda, é possível projetar riscos relacionados ao controle de jornada dos trabalhadores remotos que estejam em outros países, atuando em outros fusos horários, porém cumprindo jornadas simultâneas ao horário comercial do fuso brasileiro, em especial no que diz respeito ao pagamento do adicional noturno. Trata-se de problemática recente, tão nova quanto a legislação objeto de reflexão, que ainda não foi suficientemente analisada pela Justiça do Trabalho brasileira.
Há medidas que minimizam esses riscos, como a elaboração de políticas internas prevendo regras de comportamento e a possibilidade de aplicação de punições ao empregado que incorrer em condutas que possam, ainda que indiretamente, pôr em xeque a validade do sistema. A criação de normas internas, aliada à efetiva fiscalização por parte do empregador, pode servir para que eventuais irregularidades sejam sanadas a tempo e evitar que se tornem um problema ainda maior e mais duradouro.
Não obstante os aspectos mencionados, é louvável a iniciativa do Poder Público de atualizar as normas trabalhistas de forma a torná-las adequadas à evolução das formas de trabalho e da sociedade, o que foi, sem dúvida alguma, acelerado pela urgência gerada pela pandemia de covid-19.
Muitas das normas trabalhistas ainda vigentes em 2022 remontam à época em que o trabalho se concentrava nas indústrias, no comércio ou no campo, antes da existência de computadores, da internet ou de ferramentas que permitissem que o empregado atuasse de qualquer lugar do planeta. É imprescindível, portanto, que existam atualizações normativas e que estas sejam bem compreendidas e aplicadas para garantir que atendam à finalidade para as quais foram criadas.
Entretanto, a experiência tem mostrado que muitas vezes a existência de disposições legais específicas e de políticas internas não garante aos empregadores e empregados um razoável ambiente de segurança jurídica, razão pela qual a atenção às nuances de cada realidade é imprescindível na busca pelo equilíbrio nas relações de trabalho.
*André Luís Palmarante Ferreira e Rodrigo de Moraes são advogados da área trabalhista do Souto Correa Advogados.
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