Dado mais recente do Ministério da Economia (Rais 2016) aponta que as mulheres representam apenas 9,9% dos profissionais do segmento (Alexandre Battibugli/Exame)
Bússola
Publicado em 17 de dezembro de 2021 às 16h53.
Por Junia Maria de Sousa Lima Galvão*
Engenheiras, armadoras, soldadoras, pedreiras, carpinteiras, serralheiras, encarregadas de obras, operadoras de máquinas... Eis aqui uma lista de designações profissionais muito comuns no universo da construção civil, mas que até hoje nos soam estranhas quando flexionadas no feminino, tão raras são as vezes que ouvimos (ou falamos) de mulheres que exercem esses ofícios.
Afinal, são funções historicamente associadas ao público masculino, a ponto de até nos despertar vieses conflitantes quando expressadas. Evidência clara de que a equidade de gênero, neste segmento, ainda é algo bastante distante da realidade.
As profissões mencionadas, aliás, só exemplificam um cenário presente em centenas de outras atividades do ramo da construção civil — um setor essencialmente masculino, mesmo nas ocupações de chefia e nas funções que não requerem uso de força física para desempenhá-las.
O dado mais recente do Ministério da Economia (Rais 2016) aponta que as mulheres representam apenas 9,9% dos profissionais do segmento.
Portanto, buscar o equilíbrio dessa proporção é um desafio ousado aos gestores de companhias que têm a agenda ESG entre suas diretrizes de governança.
Um desafio ousado, mas válido — importante ressaltar. Não só pela questão da igualdade de oportunidades, tendo em vista que a construção civil é um dos setores que mais emprega no país e, neste momento de crise, pode servir de salvaguarda para milhões de chefes de família — homens ou mulheres. Mas, também, pelo entendimento de que a diversidade contribui para o melhor desempenho das corporações — conforme já identificado por inúmeros estudos — e pode ser aplicada à construção civil. Por que não?
Como representante do setor há quase 20 anos e atualmente diretora-executiva da maior empresa da construção da América Latina, posso afirmar seguramente (e por experiência própria) o quanto a presença feminina tem impactado positivamente as nossas operações. Ao passo que cresce a proporção de mulheres em nosso time, cresce também o desempenho dos negócios, seja em volume, seja em dividendos, seja em expansão. Os números de mercado são testemunhas disso e reforçam essa visão pragmática, que é acompanhada de resultados bastante positivos.
Em um esforço conjunto, conseguimos elevar a representatividade feminina em quase 14%, de 2019 para 2020, em nossos quadros gerais. Alcançamos a marca de quatro mil mulheres, que hoje representam mais de 20% do total de funcionários da companhia — mais que o dobro da média verificada no setor.
O exemplo começou “de cima”, assim pode-se dizer. Ou seja, a partir dos cargos de liderança. Atualmente, um quinto dessas posições são ocupadas por mulheres. Nos conselhos administrativos das empresas que compõem nossa holding, essa proporção chega hoje a 37,5% — mais que o triplo da média verificada no Brasil, que é de 11%, segundo estudos divulgados pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
Desta forma, podemos afirmar que flexionamos em gênero, número e grau a composição de nossos quadros profissionais, pois além de valorizar a presença feminina, houve aumento de contratação e de presença em postos-chaves. Hoje, as designações citadas no início deste artigo já não soam mais tão estranhas a nós, pois estão ficando cada vez mais presentes no nosso dia a dia.
Esse esforço, inclusive, teve o reconhecimento da ONU Mulheres, que no último mês de novembro nos concedeu o selo Women on Board (WOB). Trata-se de um estímulo às empresas que valorizam a equidade de gênero — e que também serve de exemplo às demais.
No Brasil, pouco mais de 40 empresas conquistaram esse selo, desde 2020, quando foi lançado. Número baixo, se levado em conta que o principal critério exigido é ter, pelo menos, duas mulheres nos conselhos administrativos ou consultivos — ou seja, 20% de representatividade.
Nesse contexto, a Construção Civil mais uma vez se destaca na agenda ESG, ao reconhecer a necessidade de melhor estruturar suas relações sociais, em busca de um ambiente mais plural e diverso, mesmo com as aparentes inflexões de gênero que culturalmente ainda nos distanciam desse propósito.
Esse processo de disrupção, como se pode ver, já está em curso. Portanto, que venham muitas gesseiras, encanadoras, arquitetas, diretoras, conselheiras, supervisoras, executivas e todas as demais mulheres dispostas a transformar esse universo. Elas são bem-vindas e, sem dúvida, fazem toda a diferença.
*Junia Maria de Sousa Lima Galvao é diretora-executiva de Administração e Desenvolvimento Humano da MRV e membro do conselho de administração da Urba, empresa subsidiária do Grupo MRV&CO
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