Investimentos de fundos de venture capital em startups brasileiras atingiram R$ 33,5 bilhões nos primeiros nove meses de 2021. (OstapenkoOlena/Getty Images)
Bússola
Publicado em 26 de abril de 2022 às 18h26.
Por Edilson Camara*
Estamos vivendo um fenômeno inédito. Ao longo dos últimos cinco anos, temos observado uma migração de um mercado. As grandes decisões sobre liderança de negócios, antes dominadas por grandes corporações de capital aberto/ pulverizado, hoje acontecem em um mercado no qual a principal força é o capital privado ou o investidor institucional.
Os setores de Private Equity e Venture Capital têm alterado os negócios com seus recordes de investimentos no Brasil e no mundo. Até o ano passado, o investimento global desses setores, que não havia atingido mais de US$ 100 bilhões em um trimestre, superou em muito esse montante, alcançando a marca recorde de US$ 160 bilhões (Crunchbase) em um único trimestre em 2021.
No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital) e pela KPMG, os investimentos de fundos de venture capital em startups brasileiras atingiram R$ 33,5 bilhões nos primeiros nove meses de 2021, um recorde histórico. O volume é três vezes maior que o valor aportado nessas empresas no mesmo período de 2020.
Em decorrência dessa movimentação global, estamos vendo uma volta a uma era do “capitalismo de dono”. Mesmo com muitos IPOs, a figura de um controlador ou grupo de investidores relevantes voltou, o que tem aberto espaço para um novo perfil de executivo, diretamente relacionado ao controle ou com muita influência na gestão da empresa, como é comum em empresas familiares. Ainda que não seja uma família, ele gerencia o capital de terceiros, mas o comportamento é como se fosse de dono.
Essa realidade é muito diferente da vivida por empresas de controle pulverizado, em que não se define quem é o dono. Existem os conselheiros de administração, independentes, representando toda a base de capital, mas não existe a figura de um controlador. Esse fenômeno gerou dois fatores globais: a emergência do capital privado controlando ou influenciando um número sem precedentes de empresas ao redor do mundo; e, no momento em que alcançaram essa posição sem precedentes de influência e controle, tomaram a frente na decisão sobre pessoas: quem colocar nos conselhos ou nos comitês executivos, em situações muito complexas ou de grande escala.
O Brasil, assim como outras economias, está alguns passos atrás na democratização do mercado de capitais. A possibilidade de qualquer indivíduo poder investir na Bolsa aconteceu em outros mercados há 20 ou 30 anos. Até há bem pouco tempo, nosso país era caracterizado por empresas familiares e por um mercado de capitais restrito e pequeno, com regras de governança que geravam insegurança e deixavam o investidor individual pouco protegido. Apenas com a formação da B3, as regras de governança ficaram claras e alinhadas com os mercados mais desenvolvidos.
O fato é que o país está passando por uma onda já vista em outros mercados há décadas. Em empresas de Fundos Privados e não mais familiares, as famílias brasileiras tradicionais não serão os grupos controladores. No futuro, serão grupos representando fundos de investimento que agem como donos, nomeiam diretamente conselheiros e CEOs, como as famílias faziam, mas não se guiam por relações familiares para as tomadas de decisão da liderança.
Esse será um processo pelo qual o Brasil vai passar. Já vimos isso acontecer em outros mercados onde atuamos: quando um processo de liderança ou economia vem atrasado, normalmente queima etapas. Por aqui não será diferente. O Brasil queimará etapas, e não serão necessárias décadas de predominância de empresas de capital pulverizado, sem controlador.
É obvio que haverá uma série de empresas com controle pulverizado, como no mundo todo. Apenas a emergência do controlador privado acontecerá mais rapidamente, paralela ao processo de democratização do investimento em mercado de capitais que estamos assistindo.
Ao mesmo tempo o perfil do executivo recrutado muda de um colaborador ou empregado para aquele de um sócio, alguém disposto inclusive a coinvestir na empresa, beneficiando-se diretamente do seu trabalho caso seja bem-sucedido. Tais executivos não procuram apenas um novo cargo ou uma carreira, mas um desafio, um projeto em que possam fazer a diferença e serem recompensados por isso.
Tal movimento leva ao enorme crescimento de consultorias especializadas no país e isso se reflete no volume de projetos de estruturação de Conselhos que vêm sendo conduzidos, muitas vezes ainda ligados à abertura de capital ou à primeira profissionalização do Conselho de Administração, o que já ocorreu em outras regiões há décadas. Muitas vezes, esse controlador não tem a empresa listada na Bolsa, simplesmente ele tem o controle, só que em vez de ser familiar é um grupo.
É um fenômeno muito claro nos EUA e na Europa Ocidental, mas é possível ver o mesmo movimento em economias menores, como na Ásia. Não será diferente por aqui. Do ponto de vista setorial, é o que mais cresce, causando um impacto direto nas áreas de consultoria de Recursos Humanos, mas certamente repercutindo sobre muitos outros segmentos da economia.
*Edilson Camara é CEO da Egon Zehnder
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