Uma abordagem ética preserva o valor simbólico da arte: sua contribuição cultural e histórica (SeventyFour/Getty Images)
Colunista Bússola
Publicado em 27 de março de 2025 às 10h00.
O investimento em arte vem ganhando espaço como uma alternativa sofisticada para diversificação de portfólio e preservação de patrimônio a longo prazo. Obras de artistas renomados, especialmente os chamados blue chips, tendem a se valorizar de forma consistente, mesmo em cenários de alta volatilidade econômica. Além disso, quando bem estruturada, a aquisição de arte pode trazer vantagens fiscais e sucessórias importantes.
Mas esse universo também apresenta armadilhas – especialmente para quem ignora os riscos de transações obscuras, falsificações e esquemas de lavagem de dinheiro. Por isso, entender como investir com ética, segurança e práticas modernas de compliance é essencial, tanto para investidores iniciantes quanto para colecionadores experientes.
Segundo o Art Basel and UBS Art Market Report 2023, o mercado global de arte movimentou cerca de US$ 67,8 bilhões em 2022, e manteve relativa estabilidade mesmo diante das incertezas pós-pandemia. Obras de arte blue chip apresentaram uma valorização média anual entre 7% e 9% nas últimas duas décadas, segundo dados da Deloitte Art & Finance.
Além do potencial de retorno, investir em arte permite construir um portfólio com baixa correlação a ativos tradicionais, o que reduz riscos sistêmicos. No entanto, esse mercado exige estruturação profissional e ferramentas de governança semelhantes às utilizadas no setor financeiro.
Diferentemente de ações ou imóveis, o valor de uma obra de arte não é facilmente mensurável por critérios objetivos. Ele é influenciado pela trajetória do artista, reputação no meio crítico, presença em museus e catálogos raisonnés, e por ciclos de interesse do mercado.
No Brasil, nomes como Alfredo Volpi, Lygia Clark e Di Cavalcanti compõem a categoria dos blue chips, frequentemente escolhidos por colecionadores que buscam preservação patrimonial e liquidez futura. Mesmo assim, é essencial contar com art advisors ou consultores jurídicos para análise de procedência e autenticidade.
Até recentemente, muitas transações no mercado de arte podiam ocorrer de forma anônima, sem verificação da identidade dos compradores. Isso favoreceu esquemas ilícitos – especialmente em países com baixa fiscalização. Hoje, a tendência é clara: implementação de práticas como KYC (Know Your Customer) e KYP (Know Your Partner) também no setor artístico.
As casas de leilão e galerias mais respeitadas já adotam rotinas de due diligence, exigindo a documentação completa da obra, incluindo:
Esses dados fortalecem a posição do colecionador caso deseje vender ou doar a obra no futuro.
Freeports são zonas de livre comércio que permitem o armazenamento de obras de arte sem cobrança imediata de impostos. Embora úteis para gestão logística e fiscal, esses espaços já foram associados a lavagem de dinheiro e ocultação patrimonial.
Nos últimos anos, órgãos reguladores europeus e asiáticos vêm impondo maior transparência e rastreabilidade dentro desses depósitos. Por isso, se uma obra passou por um freeport, o investidor deve investigar cuidadosamente sua trajetória para verificar sua legalidade e integridade documental.
Outro risco é a manipulação do valor de obras por meio de sucessivas vendas fictícias entre partes relacionadas. Essa prática visa inflar preços artificialmente, criando um histórico falso de valorização. Para se proteger, o investidor deve desconfiar de preços incompatíveis com o histórico do artista ou a média de mercado.
Hoje, várias casas de leilão e plataformas digitais já aderem a padrões internacionais de compliance e monitoramento de transações, semelhantes às exigências de bancos e gestoras.
Um dos casos mais emblemáticos de uso indevido da arte foi o do Cartel de Sinaloa, que utilizou obras para ocultar e lavar dinheiro do narcotráfico. Esse e outros episódios levaram à criação de protocolos mais rigorosos de verificação da origem dos recursos em transações artísticas.
A resposta global tem sido clara: a arte deve ser tratada como ativo financeiro regulado, com responsabilidade fiscal, ética e jurídica. E cabe ao investidor, por meio de estruturação patrimonial e governança adequadas, garantir sua integridade e reputação.
Se você é um colecionador ou investidor em arte, adotar as seguintes práticas pode evitar riscos jurídicos e reputacionais:
A arte, como qualquer outro ativo de alto valor, deve ser integrada a uma estratégia patrimonial bem estruturada. Ao alinhar o investimento em arte às boas práticas de compliance, auditoria, governança familiar e planejamento sucessório, o investidor amplia sua segurança jurídica e multiplica o potencial de valorização de longo prazo.
Além disso, uma abordagem ética preserva o valor simbólico da arte: sua contribuição cultural e histórica. Ao mesmo tempo em que protege o capital, o investidor que age com transparência também apoia artistas legítimos e fortalece um mercado mais sustentável.
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Co-autores:
Adriana Correia Geissmann Jacob Bloch Guimarães Melo, é economista pela FAAP, com carreira focada em arte como ativo alternativo com especialização na Ecole du Louvre, ArtTactic e no Museu Victoria & Albert. Atua como Private Art Advisor Independente, além de ser colecionadora.
Rafael Gonçalves de Albuquerque é advogado, sócio do Marins Bertoldi Advogados, cofundador da gestora de patrimônio Catalysis Wealth e colunista da Bússola Exame.
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