Currículo na China privilegia o aprendizado baseado em projetos (xPACIFICA/Getty Images)
Victor Sena
Publicado em 28 de maio de 2021 às 08h30.
Última atualização em 28 de maio de 2021 às 10h06.
Por Iona Szkurnik*
Muito se fala na perspectiva de que a China ultrapasse os Estados Unidos como maior potência mundial nos próximos anos. A última previsão feita pelo britânico CEBR (Centre for Economics and Business Research) estima que essa ascensão ocorrerá já em 2028. Esse crescimento tem sido em parte viabilizado pelo sistema educacional chinês, que passa por grandes reformas a fim de melhor preparar os estudantes para o mercado de trabalho do século 21 — e do qual podemos extrair lições valiosas também para o Brasil.
Para conhecer as transformações em curso na educação chinesa, estive na China em 2019, com professores e alunos da Universidade de Stanford. Foi uma intensa viagem exploratória, em que visitamos dez instituições em cinco dias, entre escolas públicas e privadas, centros de ensino técnico, edtechs e universidades de pedagogia. Nelas, pude ver em primeira mão como o país tem atuado para desenvolver soft skills como a criatividade e o senso de empreendedorismo, que cada vez ganham mais importância no mundo.
Ao visitar uma escola pública de ensino médio, a No. 1 High School, na cidade de Shanghai, constatei como as mudanças nas diretrizes curriculares se refletem no dia a dia de estudantes e professores. O primeiro a me chamar a atenção foi o foco no aprendizado baseado em projetos. Essa metodologia ativa de ensino permite que os alunos aprendam conceitos importantes por meio do desenvolvimento de projetos com aplicações reais, o que facilita a compreensão do conteúdo ao mesmo tempo em que estimula sua independência e iniciativa.
Pude ver um exemplo claro disso ao entrar em uma aula de Biologia do Ensino Fundamental. Divididos em grupos, os estudantes realizavam a dissecação de peixes para aprender conceitos de anatomia. Isso permitia um aprendizado mais conectado à realidade e contribuía para o desenvolvimento de suas habilidades de comunicação e trabalho em equipe.
Mesmo o aprendizado das chamadas hard skills, habilidades mais técnicas como programação e conceitos de engenharia, também era feito de forma a manter a criatividade e a resolução de problemas no centro, permitindo uma formação integral dos alunos. Dessa forma, ao invés de aprender conceitos teóricos de física unicamente na sala de aula, os alunos realizavam projetos no laboratório de engenharia, utilizavam impressoras 3D e aplicavam o que foi aprendido em situações do dia a dia.
Vale ressaltar que esse currículo criativo e inovador não se limita às chamadas disciplinas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, na sigla em inglês). As escolas também investem muito em esportes e artes. Outro ponto importante são as diferentes formas de reforço positivo e recompensas adotadas para motivar os alunos, como prêmios, olimpíadas e competições.
Essas características não se restringem à esfera das escolas do Ensino Básico. Políticas públicas como a Reforma do Novo Currículo, de 2001, cobrem todo o sistema de educação e trouxeram mudanças à filosofia educacional chinesa, atualizando seus objetivos, conteúdos, métodos e sistemas de avaliação. Um de seus objetivos também era reduzir a importância de exames como o gaokao, maior teste padronizado da China, que serve para a admissão nas universidades.
Tudo isso só foi possível porque o governo chinês investiu e continua investindo pesadamente na formação continuada de professores. O país busca inspiração nas melhores práticas de treinamento do mundo, como o programa STEP (Stanford Teacher Education Program, ou programa de desenvolvimento de professores de Stanford), e as emprega em larga escala, por meio de universidades de pedagogia como a que visitei durante a viagem. Essa escalabilidade — essencial em um país tão populoso — somente é possível com a utilização de tecnologia, outro grande investimento do governo.
Por fim, o estímulo que os pais dão à educação é outro aspecto crucial, que coloca esse tema como central na sociedade chinesa. Segundo o Centro Nacional de Estatísticas da China, mais de 60% das famílias locais dedicam ao menos um terço da sua renda à educação.
Assim, essa viagem de pesquisa me fez perceber que a reforma educacional chinesa pode trazer muitos ensinamentos ao Brasil, um país também continental. Um deles é de que é preciso alterar nossa mentalidade em relação à educação. Ela precisa ser trazida para o centro do planejamento das políticas públicas e alçada como um dos principais valores da sociedade. Para isso, é essencial que compreendamos que uma educação capaz de formar profissionais com as habilidades necessárias para o mundo contemporâneo é indispensável para aumentar a produtividade dos trabalhadores e reduzir a desigualdade que assola nosso país. Ou seja, quem ganha com a tão sonhada educação, somos nós mesmos e nosso Brasil.
Assim, quem sabe, um dia seremos capazes de assumir uma posição de liderança global ainda mais robusta do que a chinesa, calcada em princípios democráticos sólidos. No próximo artigo, explorarei mais sobre os avanços desse sistema de educação, com foco no cenário de edtechs da China e como ele se relaciona com o contexto brasileiro.
*Iona Szkurnik é fundadora da Education Journey, plataforma focada em desenvolver o ecossistema de inovação na educação, e presidente do Conselho da Brazil at Silicon Valley.